domingo, 30 de maio de 2010

LESTE DE ANGOLA - 10


Memórias de um passado saudoso

02 de Dezembro, Sábado, 10º. dia de viagem por terras de Angola. Ficámos três dias na cidade de Sá da Bandeira. No dia 4, 2ª. feira, 12º. dia de férias, parto para Moçâmedes.

EU – EM PRAIAS TROPICAIS

Desço a serra da Chela numa boleia de camião para percorrer 262 quilómetros até Moçâmedes.
Caminho de terra batida, saibrosa, vermelha, rodeada de frondosa vegetação verdejante. Curva, curva, contra curva, com descida agreste e profunda. O condutor, homem alto e forte, experiente nestas caminhadas atribuladas -- avalia-me sorrateiramente como um aventureiro. Só, mochila às costas, tipo guerreiro, máquinas fotográficas a tiracolo, queimado do sol – qual cigano vagueando por terras africanas…
Este camionista angolano antevendo o meu propósito, recolhe momentaneamente uma mensagem dum apito agudo, longínquo, mas penetrante e, de repente, estaca a viatura. Faz marcha atrás no dificultoso caminho, prepara o local de melhor visão e dita-me: “prepare-se para tirar umas fotografias ao comboio que brevemente sairá daquele túnel no fundo da ravina”.
Assim foi. Qual o espectáculo daquela “centopeia” marchando com dezenas de carruagens carregadas de minério de ferro oriundas das minas de Cassinga, perto da Zâmbia e, com destino ao porto de Bussaco, (Moçâmedes).
Continuámos a nossa viagem descendo os quase dois mil metros de altitude por uma extensão de dez quilómetros até atingirmos a planície mais acastanhada e, por fim, a desertificação das terras Namibianas.
Retiro do meu roteiro, escrito na época, a seguinte frase: “ o terreno, em princípio, verdejante, tornava-se gradualmente num tom acastanhado, salpicado de galhos secos, terra arenosa, montes de pedra, sem vegetação e, paisagem árida”.
Após cem quilómetros percorridos apanhámos o asfalto, cruzámo-nos com rebanhos de ovinos da raça “caracul”, bastante conhecida pela riqueza das suas peles.
De notar que esta rota foi-me descrita pelo camionista como sendo, anos atrás, um percurso de extrema dificuldade. O trajecto era todo em terra batida, tipo “picada” e, a travessia nos rios era feita por jangadas. Viam-se manadas de elefantes com imensa frequência e, para percorrer 200 quilómetros, demoravam-se oito dias… Foram os começos da colonização…

CABRAS CARACUL

O Zé Soares, companheiro de viagem, tinha ficado em Sá da Bandeira por mais algum tempo e, na companhia da Mariazinha…
Perto de Moçâmedes e, para meu espanto, deparo-me com plantações de oliveiras, o que era raríssimo em Angola! Lá, dava-se de tudo, mas havia certas culturas proibitivas.
O condutor, pessoa com que fiz amizade, fez-me o convite para quando regressasse a Sá da Bandeira, poucos dias depois, me dirigisse à sua residência porque, iria preparar uma caçada aos elefantes para os lados do Cunene, (Vila Roçadas, Pereira de Eça).
Despedi-me dele, hospedei-me e, preocupei-me em encontrar a minha correspondente Belucha. Correspondente, esta, não era de guerra…
Depois da devida apresentação feminina, fomos passear para conhecer esta cidade à beira mar, e estivemos na praia a mirar o belo Atlântico Sul, de águas quentinhas e serenas. Só a mirar!...
Moçâmedes pareceu-me uma pequena cidade, mas acolhedora e, com lindas praias.
Uma Nazaré, Angolana…

EU, e o BONGO – BARCO TÍPICO AFRICANO

O tipo indígena desta região (Mucubal) é fisiologicamente superior ao Quiôco e, as mulheres pareceram-me mais bonitas. Estas, cobertas somente de tanga e com os seios descobertos, por vezes, atados com fios, indicavam a quantidade de filhos. Alguns anéis de metal ornavam os tornozelos e os pulsos dando a informação da quantidade de cabeças de gado bovino que possuíam. Raça alta e bela !

RAPARIGA MUCUBAL

OLEIRAS MUCUBAIS

Permaneço em Moçâmedes, e num dos dias de residência fui visitar o porto mineiro do Bussaco. Aqui, assisti ao carregamento de ferro britado para barcos de japoneses de grande tonelagem. Carregamento efectuado através de tapetes rolantes.
Este minério era trazido pelos tais comboios que se cruzavam em Sá da Bandeira e com proveniência do interior africano.
Assisti à pesca à linha praticada pelos indígenas ao encaminhar-me para a praia das miragens, ponto de encontro com a minha Beluchinha. Que, para minha surpresa, se fez acompanhar pela Isabel, também.
O campo preparava-se para receber o Zé, em grande plano -- que teimava em não aparecer…
Dia 6, chega o companheiro de viagem carregado de notícias mulherengas. Para ele, a paisagem era outra. Tinha semelhanças ao colibri. Beija aqui e “acoli”.
Numa rua, (Avª. da República), à distância, deparo-me com a minha correspondente e amigas. Quero apresentá-las… e não é que o Zé não o deseja fazer?!... Refere que uma delas é feia… Esquisito!
Mas no meu regresso, afirmou-me que tinha tido o devido proveito… O malandro !
AVª. DA REPÚBLICA - MOÇÂMEDES

Combinámos um passeio e reencontrámo-nos todos no cinema Impala.
A viagem deveria ser continuada porque, o determinismo inicial assim o ditava.
Para além de Moçâmedes, haveria que atravessar o deserto do Kalahari, percorrer outras paragens e seguir mais para Sul – Porto Alexandre, Baía dos Tigres, seriam as próximas metas a atingir.
Nessa altura, contarei outras peripécias relacionadas com o soldado alemão que quis visitar o deserto, passados 27 anos da 2ª. Guerra Mundial e, o ataque dum leão a um médico, no coração do deserto, onde ainda existe uma estátua colocada no local fatídico.

Até breve
Vítor Oliveira - OPCART

LESTE DE ANGOLA - 9


Memórias de um passado saudoso

01 de Dezembro, 6ª. feira, 9º. dia de viagem por terras de Angola. Estamos em Nova Lisboa (Huambo). Eu, e o Soares.
Desperta o dia e preparamo-nos para a partida, rumo à capital de Huíla. Sá da Bandeira, (Lubango) - a cidade que ainda hoje mais gostaria de viver !...

Eu, algures em àfrica

Seguimos em transporte público pois, os bilhetes foram-nos cedidos por aquele que viria a ser o meu cunhado. Este amigo Vasco, por trabalhar como contabilista na Empresa Rodoviária “EVIPAL”, ofertou-nos com a viagem de 455 Km.
Partimos juntos – eu, e o Zé porém, este regressaria a N. Lisboa, após percorridos 25 Km, com paragem em Robert Williams. Tinha marcado um encontro com uma das nossas “conquistas” e gostava de usufruir por mais um dia na sua companhia...
Demos a entender a quem nos ofereceu as viagens, que a aceitámos com muito grado todavia, para que não se fizesse desfeita alguma, o Zé partiu para regressar de imediato à origem.
O meu propósito desde a primeira etapa seria cumprir com o pré delineado roteiro. Ele, seguir-me-ia mais tarde e consoante a sua conveniência.
No longo percurso passei por Caluquemba e Caconda. Esta última povoação fará lembrar a qualquer estudioso dos percursos dos exploradores africanos, o célebre sertanejo Serpa Pinto. Caconda, foi um povoado que deu guarida a este aventureiro o qual desbravou regiões inóspitas por esse Cuando-Cubango. Ele, e Silva Porto, com quem se cruzou por essas savanas que, passadas décadas, foram defendidas pelos nossos “especiais” da FAP.  Todos se lembrarão de localidades como: Luiana, Mavinga, Cuito Canavale, Gago Coutinho, Neriquinha, Cazombo e, tantas mais...
Esta viagem fez-me lembrar os tempos das grandes explorações senão, admirem um pastor avistado por mim, tal qual um homem pré-histórico.

Pastor Muíla

Cheguei por volta das 17:00 H e, hospedei-me na “Pensão Dória”. De seguida, fui fazer o reconhecimento citadino para apresentar os meus conhecimentos ao colega que chegaria brevemente. Percorri as avenidas Chagas e Capelo Ivens, visitei o Cristo Rei (construção de colonos Madeirenses) e, reparei na preparação precoce da iluminação para a quadra natalícia de 1972.
No dia seguinte, fui em busca da minha correspondente Ilisa pois, em cada cidade, tinha preconizado o apoio feminino através de correspondência.
Dediquei parte do dia em visitas históricas dando valor à arte Muíla e Cunhama assim como, aos achados pré-históricos encontrados no deserto de Moçâmedes, Kahalari ou, Namibe.
Mais um dia e, deparo-me com o Zé que já tinha regressado de N. Lisboa. Subimos os dois à Ravina da Tundavala, penhascosa fenda com dois mil metros de altitude. Espectáculo Africano dos mais belos  de Angola. No fundo da ravina, pontinhos pouco distintos, indicavam-nos a povoação de Vila Arriaga e, a partir  desta vila, iniciava-se o deserto em todo o seu esplendor.

Tundavala

De referir que a Natureza foi pródiga em Sá da Bandeira . O clima é idêntico a Portugal e, as fendas da Tundavala, do Bimbe, as cascatas, a serra da Leba e Chela, a estrada em serpente – fazem-nos lembrar outro Mundo !...

A estrada Serpente do Leba

Na nossa estadia, num café situado no Picadouro”, sentado à nossa frente, encontrava-se o famoso cantor “Tony de Matos”. Acompanhou o filme “A Derrapagem” por toda a Angola, filme que semanas depois, viria a apresentar-se em H. Carvalho, juntamente com o  cantor.
Enquanto de permanência na capital de Huíla, ainda me desloquei a Vila Almeida em busca doutra correspondente. Esta, encontrei-a dias mais tarde em Luanda, para onde se tinha mudado na procura de emprego.
O Zé e eu ainda tivemos tempo para explorar mais uns namorecos. Armámo-nos em pilotos de “Helis” e, mais uma vez deu resultado. Porém, uma delas já tinha namorado e tivemos que sair do “ambiente” com todas as cautelas...
“Vítor, tira o cinto... Os gajos vêm atrás de nós...”
Ele, ainda se lembra desse episódio e dos nomes das “chéries” – Mariazinha e Lena...
Deixo Huíla e, parto para Moçâmedes. O Zé ainda quis ficar na cidade para reatar o tal namoreco. O nosso reencontro já  seria em pleno deserto....
Desço a Serra da Chela numa boleia de camião. Curva, contra-curva e, o condutor, homem forte, alto, experiente nas viagens atribuladas  -- avalia-me como aventureiro.
Da nossa conversa, sai o convite para uma caçada de elefantes em Vila Roçadas ou, Pereira D´Eça  -- história que se seguirá brevemente  ... se tiverem paciência para tal !...

 Picadouro Sá da Bandeira
         
Até breve
O amigo Vítor Oliveira  -- Ocart

LESTE DE ANGOLA - 8


Memórias de um passado saudoso

Prossigo na descrição do meu roteiro  -- viagem por Angola na companhia do nosso companheiro José Soares, “O Bacalhau”.
Estamos no dia 27 de Novembro de 1972 e, encontramo-nos à saída de Salazar (N´Dalatando) com destino a Nova Lisboa (Huambo).
Conseguimos uma boleia num camião carregado de pesados madeiros que nos levou até ao Dondo, povoação que fazia a desvio para Luanda e N. Lisboa. No cruzamento, e pouco tempo depois, apanhámos outro transporte num “Julia-sport” até Quibala, terra dos grandes pedregulhos.

 Boleia em Quibala


Havia interesse em visitar esta vila pois, no meu prévio contacto com um militar do exército, foi-me dado a conhecer a existência dum cemitério indígena com características invulgares. Este mesmo militar já tinha feito este percurso e, como eu, já planeava atravessar África em direcção ao Índico. Viagem que no ano seguinte viria a realizar.
Percorremos a vila, visitámos um pequeno forte implantado no cimo duma enorme rocha e, acabámos por pernoitar na “Pensão Beira”. Desanimámos na nossa busca pelo tal cemitério indígena porque, encalhámos nuns outros sepulcros vulgares e, não encontrámos o local desejado. 
Novamente na posição de “dar ao dedo”, seguimos para Stª. Comba num turismo e, de seguida, tomámos uma carrinha em prosseguimento para N. Lisboa. Seiscentos quilómetros batidos neste dia, com passagem por Alto Hama onde avistámos a célebre pedra gigante que aparecia como reclame nas garrafas de águas minerais angolanas.

Igreja de Santa Comba

Do Alto Hama, avistámos a Cela, região de gado bovino e, planícies sem fim. Aglomerado de Açorianos ligados à actividade de lacticínios  – uma pequena ilha verdejante inserida no Continente Negro.
No percurso de Alto Hama para N. Lisboa estivemos na possibilidade duma colisão pois, o condutor prestava-se ao adormecimento. Aliás, ele próprio propôs-se em nos dar boleia na condição de falarmos até ao fim da viagem... Justificou-se que devido à dor de dentes, já não dormia há imenso tempo e, a sua missão, era levar a carrinha nova para um Stand de N. Lisboa, com proveniência de Luanda. Eu bem via a sua cabeça a pender, mas foi o Zé que gritou para o alertar dum embate num enorme poste de fios.
Após trinta e seis anos, revivi este episódio com o José Soares. A sorte ditou-nos que deveríamos prosseguir vivos – pelo menos até ao presente momento!...
Chegámos ás 14:00 H à segunda  maior cidade de Angola, a cuja que Norton de Matos propôs para a capital de todo o “Império Português”. Mal pensava eu que viria a visitar esta cidade, três anos depois, em  Abril de 1975, pouco antes da independência, à procura de emprego no Controle do Aeroporto!... Procurei, mas não fiquei... Já se tinha iniciado O REGRESSO DO ESPOLIADO, os anunciados retornados.
Nesta cidade fomos recebidos pelos que viriam ser meus cunhados. Comida e dormida gratuitas para os viajantes aeronáuticos!...

Palácio do Governo Nova Lisboa

Passeámos por tudo o que era canto visitando a Estufa Fria, Jardim Zoológico, Caála (Robert Williams) e, o seu miradouro altaneiro.

A pedido do Zé, fardámo-nos para verificar o impacto perante as “meninas” desta grande cidade. E para nosso espanto, a atracção foi fatal  -- acabámos por ser convidados de imediato  para uma festa com baile particular. A farda azulinha da nossa tropa tinha mel, atraía  e, elas, pareciam abelhinhas atrás do zangão...
Já lá vão uns anitos mas, recordações destas, não esquecem!...
Por agora, finalizo com um acrescento à narração. Os que vieram a ser meus cunhados, e com a independência de Angola, rumaram para o Brasil – situação semelhante à dos tios do Zé. Os filhos, miúdos de tenra idade, nessa época, estão formados e vivem em S. Paulo. O Mundo Angolano separou-se,  perderam-se alguns contactos e amigos!... 
Somente ficou a saudade daquela imensa Angola de outrora.
A presente ... é bem diferente!...

Até breve
O amigo Vítor Oliveira  -- Ocart

LESTE DE ANGOLA - 7


Memórias de um passado saudoso

Chegado ás quatro décadas de separação dos meus colegas de curso, Ocart´s, a saudade começou a espicaçar-me a imaginação...   
Esses companheiros, partículas remotas de uma geração de oiro  -- que rota seguiram?! - Em que parte deste Mundo se encontram?!- Sobreviveram todos até ao presente?!- Que impressões retiveram de mim?!


SALA DE AULAS NO GITE – OTA EM 1969

Maio de 2007 – sem contar,  deparo-me com uma solicitação pela Internet. “O “Tex” deseja contactar os Ocart´s da 2ª. Mobilização de 1969.”
Interrogo-me e, com imensa alegria, confirmo tratar-se dum colega que há muito gostaria de reencontrar. Pensei que partiria desta vida sem ter a ocasião de contactá-lo, vê-lo, perscrutar todo um passado longínquo cheio de recordações...
Seguiram-se múltiplos contactos e, ele, emigrado no Parlamento Luxemburguês e, eu, já reformado no nosso Portugal, ajustámos um encontro pessoal, a dois, na Base de Monte Real e, por ocasião dum convívio nacional de especialistas.
O “Tex” foi aquele a quem lhe parti a bilha de água, na caserna da Ota, em 1969...
Reencontro cheio de abraços, nostalgia de gestos, palavras, alegrias, recordações, ânsia de contar coisas... coisitas!...
Combinámos a grande tarefa de pesquisar os outros elementos. Ele, no exílio na Europa Central e, eu, neste cantinho Português.
Surgiram múltiplas recolhas de informação tanto, junto do Arquivo Histórico da Força Aérea como, através de Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, particulares, e um Mundo vasto e tortuoso de investigação.
Começámos a saborear o contacto telefónico de cada um – sentimos aquela voz semelhante á da nossa infância, voz que nos ressalta no espírito, memórias particularizadas que se relembram e, a lágrima, teimosa de cair, esgueira-se no canto do nosso olho...
O “Rosis” que me acompanhou de autocarro para a Ota, na altura de iniciarmos a recruta – seguiu  a carreira militar alcançando o posto de Major. Presentemente, exerce o cargo de Presidente numa Junta de Freguesia.
Da Ota, partiu para Tancos, passando por Tete, Lajes e outras Unidades militares.
O “Charolês” que nos livrou duns cortes de fins de semana, pelos roubos duns cachos  de uvas – seguiu também o militarismo. Reformou-se como Capitão. Passou pelo Montijo, Beira, Montijo...
O “Foncheca” a quem maliciosamente fiz cair na arca do pão aquando, dum reforço  -- também abraçou a FAP atingindo oposto de Ten. Coronel. Da Ota, pisou Nacala, Nampula e, acabou por fixar-se pela capital do “Império”...
O “Vinhas” - aquele doido varrido do boxe, exercício que praticávamos na parada, junto ao cinema – prosseguiu algum tempo no controlo de aviões para, mais tarde, emigrar para a Suiça.  Das Lajes, passou por Mueda, Nacala, Lisboa  -- percursos de tropa  e de outros tempos...
O “BA-DA-BA-DA” , este saudoso amigo que me proporcionou o baptismo de voo, emigrou para a Venezuela onde viria a falecer em 1992.
Batalhei imenso para colher notícias dele e, por um acaso da vida, deparei-me com a viúva com quem desabafei as minhas recordações de juventude...
De Alverca, seguiu para o Norte de Moçambique, já casado. De regresso, em Monte Real, passa à disponibilidade e depara-se com dificuldades de emprego. Parte para a América  -- partiu para outro “Mundo”, antecipando-se à nossa vez!...
O “Hércules”, o tal que dormia com a arma debaixo da cabeceira, acabariam por me dar a triste notícia... Uma funcionária duma Câmara Municipal, antiga aluna de sua mãe, comunicou-me que este amigo se encontra internado num Centro Hospitalar acerca de vinte anos. Sofre de esquizofrenia e não reconhece alguém, mesmo parente ou, amigo.
O único irmão que teve, já faleceu da mesma maleita. Era o nosso “engenhocas” mas, já se apercebiam desvios... Das Lajes, seguiu para Mueda, Tete. De regresso, desenvolve-se o que se previa na sua doença!...
O “Papa-Léguas” – ligou-me de Londres!... Depois de tantas tentativas para o reencontrar e sem resultados, escrevi uma carta para o endereço antigo. O filho, psicólogo de profissão, dá a notícia ao pai e, este, louco de alegria, desabafa tudo... Todos nós sofremos  com o 25 de Abril nessa altura pois, o desemprego instalou-se e, daí, a emigração, a falta de ocupação, os contractos na tropa e, o nosso desânimo inicial pela vida...
O “Pinóquio”, este Major reformado, cruzou-se comigo em Julho de 1973, na Beira. Depois de ter percorrido Angola, quis conhecer Moçambique e tive a oportunidade de rever o “Charolês”, o “Mil” e, o “Pinóquio”, nessas terras Orientais.
O “Lapaduços” – vendedor de automóveis, perdeu as tais “quintas”. Acompanhou-me para as Lajes e, direccionou-se para o Negage. De profissão em profissão, ainda se mantém no activo. Foi sempre um fugidio...
No que respeita ao “Raf”, perdi-lhe  o rasto porém, alguém me informou que um dos seus irmãos tinha casado e que se tinha fixado em Monte Real.
Curiosamente, a filha, juíza na minha comarca, ficou encantada pelo tipo da minha investigação e propósito.
Posteriormente, após o nosso convívio, confessou-me com emoção que, já não via o pai tão contente numa imensidão de tempo... O reencontro dos velhotes rejuvenesceu-o, animou-lhe a alma...
Depois do Montijo, percorreu terras Moçambicanas. Cursou Literatura e foi Professor Universitário. Reservado, cativou-me na amizade e, os nossos laços reataram-se.
O “Bigodes” , ainda mantém o fiel bigode à Dr: Jivago e, eu, imitei-os!... Dura.... há  trinta e nove anos. Autorizado, por escrito, nos cadernais militares em terras Açorianas!....
A vida foi-lhe amarga. Teve sobressaltos nos empregos e, na saúde. Teima em viver, e compareceu na Festa acompanhado da sua estimada esposa e três gentilíssimos netos.
De empregado alfandegário, foi titular duma empresa de camionagem. De Alverca, seguiu para Costa Cabral, Marrupa e, outras localidades no Índico.
O “Selva”, nortenho de gema, abraçou a aeronáutica civil e, um dos seus rebentos, cursou a pilotagem. Neste   momento, é um dos pilotos da aeronave Presidencial...
A Descendência da nossa geração, ainda vai dar que falar...
Ainda falta falar do “Delta, Gordo, Clávulas, Bispo, Mike, Mil, Patrik, Romeu, Salteador” porém, seria desastroso prolongar-me!...

Com excepção de dois elementos, todos foram mobilizados. Angola (6); Moçambique (14) e, Guiné (1).
Cinco, emigraram para a Venezuela (2), Inglaterra (1), Luxemburgo (1) e Suiça (1).
Formaram-se vários em: Literatura, Filosofia, Direito e Engenharia Agrícola.
Seis, seguiram a FAP, reformando-se nos postos de: Ten. Coronel (1), Major (2), Capitão (1), Sargento-Mor (1), Sargento Ajudante (1).
Mantém-se um como empresário e, quatro foram empregados bancários e, entre estes, calhou-me a mim esta profissão.
Faleceram dois e, um, encontra-se debilitado.
Reuni toda esta turma num convívio geral no radioso dia 23 de Maio deste ano, na Ota e, presenteei-os com os companheiros Ocart´s das Mobilizações anteriores e posteriores, do mesmo ano de 1969.
Cruzaram-se os que renderam, com os que foram rendidos.


Convívio Ota Maio de 2009
Elaborei um dossier para cada um com a descrição do percurso de vida, endereços actualizados, peripécias diversas e, para nunca mais se esquecerem nem, se desligarem, fiz-lhes  a entrega individual desta eterna memória.
Foi uma festa inesquecível. Espanto, comoção, vivência, lágrimas... Cada um desejou ser o principal  protagonista, qual papagaio seria o melhor?!...
Acrescentei para mim mais uma experiência à vida, filosofei a minha rota, por comparação à deriva de cada um.
Desviei-me?!- Fui melhor?!- Tive sorte?!
Sinto-me no meio  -- ESTÁVEL e, sobretudo HUMILDE.
Amigos do Leste – tentem fazer o mesmo. Encontrem a vossa Turma, também...

Vitor Oliveira, José Pinheiro e Carlos Cibrão 3 que passaram pelo AB4 de 1971 a 1974



Convivio Ota com três turmas Opcart 1969 
Até breve
Vítor Oliveira - OCART

LESTE DE ANGOLA - 6

Memórias de um passado saudoso

Recuamos a Maio de 1969 – quarenta anos atrás, naquela época em que éramos mancebos, “teen age”, idade irreverente, Beatles, Rock, movimentação estudantil, guerras coloniais...
Alistado em 12 de Maio e incorporado em 21 do mesmo mês com o número de ordem 683 assim, percorro o caminho da Ota até 01 de Maio de 1970, para prosseguir a minha luta por mais cinco anos por terras Açorianas e Angolanas, separado dos meus colegas de curso (23), por longos e imensos anos...
Nesta minha primeira parte de narração descreverei as vivências longínquas de 1969 depois, na segunda a publicar posteriormente, contarei as emoções dum reencontro que teve evidência em 23 de Maio deste ano – precisamente na B.A. 2  -- com quatro décadas de separação e, com muito esforço por encontrar o paradeiro de cada um, num percurso de pesquisa que demorou dois anos  e em busca por todo o Mundo.
Parto de casa na madrugada de 21 de Maio de 1969, de comboio, com destino a Lisboa e para me apresentar nas delegações da FAP, após ter sido chumbado em finais de 1968, nos testes para a pilotagem.
De imediato, sigo de autocarro para a Ota, juntamente com outros colegas e, no mesmo banco, deparo-me com um companheiro com o qual travo conversa.
Rosis, qual o curso que desejas tirar? Circulação Aérea... Também eu, já que chumbei nos testes para pilotagem. Certezas?!... Não havia nenhumas...
Recruta severa com instrutores como o Ten. Dias e José Cid. Passagens por canais de esgoto no fundo das pistas, caminhadas por terras inóspitas no longo verão desse ano, percursos pelo rio da Ota, noitadas de marcha – um horror de tropelias, atitude firmada pela tropa para nos tornarem adultos...
Tivemos uma das piores recrutas pois, estavam a preparar um longo documentário nesta fase, para apresentarem como acto de bravura, nos ecrãs do cinema.
Quem não roubou uns cachos de uvas pelas quintas vizinhas?
Para nos livrarem do corte de fins de semana, valeu-nos o tio (Brigadeiro) do Charolês.  Sempre haviam cunhas!...
Os reforços surgiam em número para nos descontrolarem o sono. Faziam-se junto ás instalações dos Sargentos, paióis, pistas, junto à Torre de Controlo, padaria, etc, etc...
Na padaria, montei uma artimanha para o meu substituto Foncheca. Maliciosamente, coloquei a tampa da arca de forma que quando se sentasse, caísse no fundo. Não caiu logo. Deixou-me seguir a rota da camarata para iniciar o meu sono quando, ao longe, ouvi um enorme estrondo. Caiu fundo e, por todos estes anos, mantenho um sorriso de franca malvadez...
Vamos para a parada, travamos o combate de boxe e, a mim, calha-me o Vinhas, o doido varrido.
Os meses passam sem que ande de avião  --- sim, estou na Força Aérea e, com tantos aviões... Interrogo um outro colega, Bada-Bada, e, ele promete fazer-me voar. Sócio dum aereoclube nas Beiras, mete influências a um comandante da TAP e, num fim de semana parto para o aeródromo de Viseu para fazer o meu baptismo de voo numa Auster.   Sensacional  a aventura!    Tinha o meu primeiro voo no papo.
Hércules dormia com a arma por debaixo da cabeceira, prelúdio duma doença que se estava a avizinhar. Percursor duma rádio pirata, mais parecia o engenhocas “pardal”.
Papa-léguas propôs-se casar, ainda na Ota. Altura em que eu começava a namorar... Marchava com passada longa daí, o Papa-léguas.
Pinóquio, rapaz pacato, oriundo de Pinhel, fazia parelha com um colega da Guarda. Dois irmãos não se dariam tão bem ao longo da vida...
Lapaduços, companheiro de camarata, raramente se deitava sóbrio. Com quinta em Alenquer, matava a sede a toda a Companhia, nas adegas do avô. Endiabrado, aluno que não se via a estudar, noctívago. Passou à tangente, na última posição.
Outros, perfazendo os 23, tais como o Delta, Gordo, Clávulas, Bispo, Pipas, Mike, Mil, Patrik, Romeu e Selva ... faziam por cumprir o seu caminho nestes meses iniciais da Ota.
Lembro-me de cada um, tanto na imagem, na voz como, nas acções tidas na altura e, se hoje ainda mantenho o bigode, foi para imitar o Bigodes que já o usava em conformidade com o do Dr: Jivago.
Para o Tex, vem a recordação de lhe ter partido uma bilha cheia de água, que ele segurava pela asa e, que nos atormentava em molhar na caserna.
Raf, rapaz calado, estudioso e, por fim, o Salteador, o único eliminado da conjura, por namoriscar maliciosamente a secretária do Gen. SP!..
Quem não se lembra ?
Todos fizemos parte do célebre campo de concentração, malhados na eira de cimento, a comer a sopa feita no caldeirão do lixo e, os pães rijos de vários dias.
E o cinema, sala tão grande e que eu já tinha esquecido!... Parada, igreja, paióis, o Sul da pista que era o terror dos reforços à noite...
E as deslocações para a Ota após os curtos fins de semana?!
Para quem vinha do Norte, tínhamos a “Ponderosa”, Bombas das Marés, o monte “Chapéu de Coco”, as meninas da Espinheira e, o velho café da aldeia da Ota.
Cortávamos para a recta final que nos dirigia para a Porta de Armas e,  logo no início, localizava-se outra Bomba de gasolina.
Recta infinda que nos conduzia ao martírio de mais uma, várias semanas de loucura.
Chega o primeiro de Maio de 1970, terminámos os cursos e, nesta altura, seguimos outros rumos  -- rumos de separação quase eterna – não fosse eu, com outro companheiro, procurarmos a pista de cada um.
Nesta descrição, que muito se alongou, vamos deixar os colegas do meu curso a hibernar nas várias Unidades, espalhadas pelo Continente e Açores. À posteriori, em Angola (6); Moçambique (14); Guiné (1); Continente (2) e, (1) eliminado no curso.
A seguir, noutra maré,  retratarei o reencontro dos “Asas”, em 23 de Maio do ano em curso, na Ota, nos fugidos quarenta anos. 
Lágrimas de saudades!...,  ... agruras para alguns familiares já enlutados!...






Até breve.
VÍTOR OLIVEIRA - OCART

LESTE DE ANGOLA - 5

Memórias de um passado saudoso

Quase três anos de Leste de Angola muitas pequenas peripécias aconteceram na Torre de Controlo, onde operei  por centenas de horas, noite e dia.

Nos primeiros dias que estive de serviço e, durante o turno da noite, fiquei com receio de permanecer exposto a uma cena de invasão da Base, pelos inimigos. Situava-me num ponto estratégico e que poderia ser um bom e primeiro alvo de ataque. Vinte e cinco metros de altura, edifício de fraca estrutura, gingando por todos os lados e, nos dias de grandes trovoadas, metia respeito !...

1 - Num dos turnos nocturnos, naquelas noites silenciosas em que quase todos os militares dormiam, eu vigiava através dos vidros da cabine hexagonal. Nisto, ouvi um roncar longínquo de um avião que me parecia ser de grande envergadura. Mirei com os binóculos todo o espaço aéreo ao meu alcance e, nem uma luzinha eu avistei  -- mas, o barulho continuava a ouvir-se e com maior ruído. Algum avião inimigo??? Chamo Luanda, peço informações sobre a possibilidade da rota daquele avião e, eis que me informam tratar-se dum quadrimotor Rodesiano que transportava gado bovino. Curioso!... o  piloto não deu sinais de vida aos meus apelos pela rádio e, nem o avião tinha alguma luz visível para assinalar a sua direcção…

2 - Noutra ocasião, encontrava-se um companheiro meu, (Rui Silva), de serviço à Torre. Ao escurecer, notou que havia uma luz que pairava no céu, mas que teimosamente não queria fazer-se à pista!... Tentou contactar com a suposta aeronave, mas esta não dava sinais de vida. Disparou um “very light” verde, para permissão de aterragem e, a luz da aeronave continuava a circular em volta da pista sem se aperceber de qualquer intenção. Intrigado, pensando que pudesse ser algum disco voador, telefonou para o Bar de sargentos a fim de solicitar a ajuda dum outro controlador mais experiente.
Lá vou eu ter com o Rui Silva para indagar da situação.
 Conclusão, houve “ilusão de óptica”, “miragem pura”. A aeronave não existia!... Porém, já tinha sido avisado o oficial de dia, iluminado as pistas com os candeeiros a petróleo e, chamado um bombardeiro que se encontrava  ocasionalmente no Luso (Douglas B-26), para ajudar no combate…

3 - Noites mortas, difíceis de passar naquela Torre e, para me entreter, sintonizava um dos rádios transmissores para ouvir música. Outros dias, acendia o Holofote para atrair as borboletas e, de madrugada, descia ao edifício anexo à Torre e, pelos corredores, pisando as mal cheirosas formigas cadáveres,  injectava com formol, (cedido pelo enfermeiro Correia)  certas borboletas lindíssimas, grandes e, de todas as espécies. Coleccionei cerca de 200 e, ainda hoje tenho presente dois quadros na minha sala.
Soube que uns dos fãs destes  “hobbies” , era um Sargento Açoreano chamado Flores. Este, dedicava-se com paixão na apanha das borboletas e, por sinal, na altura em que se encontrava em H. de Carvalho, (antes de 1971), e quando os edifícios da Base eram pintados de branco, (e, não de verde claro), ele conseguiu caçar a célebre e única borboleta no Mundo  - Borboleta Caveira.  Por cada quadro que ele elaborava, colocava uma dessas borboletas e, remetia-o para os Açores a fim de ser vendido aos Americanos. Fez bom negócio…
Borboletas
4 - Outras vezes, sem ocupação, dormitava na maca que a Torre possuía porém, era preciso ter um cuidado extremo pois, o célebre Capitão Laurentino andava na nossa perseguição. Militarista de primeira, não queria que dormíssemos e, as luzes do tecto da Torre deveriam estar sempre acesas.
A nossa sorte era que quem iniciasse a subida à Torre, a fragilidade da estrutura fazia com que estremecesse e, nós, lá em cima, apercebíamos  a situação. 

Noutra altura, não deu para dormir…
5 - Luanda chamava, chamava… e, alertou para o facto de haver possibilidade da Base de H. de Carvalho se tornar alternativa para voos que se destinavam à capital. Luanda estava cercada de nevoeiro e, a pista de H. de Carvalho era superior à de Nova Lisboa.
Colocava-se a situação de como albergar os passageiros  de alguns aviões pois, Hotel, só havia um!...
A pista não tinha iluminação eléctrica e a nossa cidade ficava no Cu do Mundo
Passaram-se momentos de indecisões e, eis que o nevoeiro deu indícios de se dissipar. Assim, continuou Luanda a servir o tráfego aéreo. Livra…
Controlador Zé Paes
6 - No dia em que um Friendship Fokker-27, da DTA, caiu no mar, junto de Lobito, a ansiedade de saber sobre a possível existência de sobreviventes  era enorme. O co-piloto Mesquita foi um dos três sobreviventes e, tinha família na cidade de H. Carvalho. Nessa altura, morreram vinte e dois passageiros e, um dos meus amigos de infância, militar no exército e jogador da equipa do Moxico, campeã de Angola em 1972, escapou-se por sorte. Quis o destino determinar-lhe fazer viagem por terra quando, lhe tinham já pago a viagem para seguir nesse avião.
Estava de serviço, no controlo, e recebi uma notícia particular de Luanda em que me solicitaram para dar a informação à família do co-piloto em como ele estava vivo. Foi um alívio para os familiares e, uma grande alegria que lhes dei porquanto, servi de primeira fonte informativa. Para mal do destino, esse piloto viria a falecer, anos mais tarde, num acidente aéreo, comandando um avião ao serviço da Sata, numa das ilhas centrais dos Açores.

7 - Encontro-me na Torre, dou autorização a um T-6 para aterrar mas, nem o vigio a cem por cento. Condições normalíssimas de tempo, pista toda por conta do avião em causa  --- que ficasse à vontade… Mas, eis que ao olhar para a pista, vejo uma imensa nuvem de poeira!?  Nem disse nada, no momento…
Quando fui almoçar, perguntei ao piloto. Eh.. pá… Andavas ás curvas na pista? Diz-me ele --- não digas nada, o mecânico, distraidamente, carregou num dos pedais quando o avião estava mesmo a tocar o asfalto…
Visão da Torre
8 - Pilotos brincalhões e experientes, conheci muitos porém, num dia de vento moderado, assisti a uma aterragem de avioneta (Dornier-27) que mais parecia um helicóptero. Vejo a DO com boa altitude a fazer-se à pista, dou-lhe autorização para aterrar e começo a avistar-lhe todos os movimentos. Devagarinho, contra o vento, desce-me como se fosse uma pessoa a descer os degraus de uma escada.
Devagarinho, de solavanco em solavanco, cai quase na perpendicular, dá um pulo no chão e, pára. Gozei com o espectáculo  --- nunca tinha visto coisa semelhante! Piloto particular do Governador; Cabo Verdeano de origem; o saudoso ALEX

9 - Fim de ano de 1973, tinha na cidade, família e, uma correspondente, a qual viria a ser minha mulher.  Esta, tinha vindo passar o ano a Saurimo e, precisamente, no cinema do Chikapa, com festa e bailarico!...
À partida, rumo a Malanje, eis que se encontra por debaixo da Torre para subir para o avião da TAAG.
Disse para comigo!...  --- gostava de lá ir abaixo e, despedir-me dela!...
Chamei o especialista de comunicações, que se encontrava no seu posto e, solicitei-lhe que desse as instruções ao piloto para a descolagem. Não se previa mais movimentação de tráfego e, estes nossos companheiros  tinham alguma instrução porque, ajudavam o controlo nos destacamentos.
Desci, esperei uns minutos, despedi-me dela e, voltei à Torre com ansiedade e expectativa.
Entretanto, tinha avistado outro avião a fazer-se à pista e, precisamente no momento da descolagem do F-27 da TAAG.
Na Torre, vi o companheiro com aspecto amarelado, que me disse: Ehhh pá… apanhei um cagaço do car…
Então?! … Ohhh … dar as instruções ao piloto da TAAG, lá dei, mas apareceu-me outro a pedir instruções para aterragem e, eu fiquei a ver navios, em vez de aviões…
Vi a saber que os pilotos se entenderam pelas comunicações que travaram e, para nossos agradecimentos, nem o militar  nem, o civil, fizeram participação do acontecimento ao nosso comando militar.
Ainda hoje vivo esta situação como uma falha de responsabilidade que poderia ter dado
para o torto…
Pôr do sol visto da Torre
10 - Parte do Luso um PV-2 com destino a H. de Carvalho. Comandava-o um Tenente que dava para o gordinho, meia-idade, e um pouco falador.
No sub-comando, acompanhava-o o Gomes da Silva. Registei a hora da sua partida por comunicação com os colegas do Luso e, aguardei pelo contacto da aeronave. Sabíamos qual o tempo de rota para este tipo de aeronave e, não é que já passava do tempo e, a comunicação não saía!…
Chamei, chamei e, eis que me contactam. Informam-me da sua posição e, comunicam-me a hora prevista de aterragem.
Passa o tempo e, só muito mais tarde me pedem autorização para aterrar.
Conclusão, vim a saber por especialistas que, os dois pilotos vinham numa discussão sobre qualquer assunto e, distraidamente, prosseguiram rota sem terem dado conta da emissão do rádio farol de H. Carvalho. E, …não é que já se encontravam na fronteira do Congo !?...

11 - Trovoada, trovoada que nunca tinha visto com tamanha dimensão!... Na Torre, equipamentos quase todos desligados, centrava-me deitado na maca a pedir aos Deuses para não levar com um raio na Tola. Tirei imensas fotos com o céu varado de raios… Parecia um festival de foguetes…
Um colega, da sala de despacho, receando pela minha vida, chamava-me pela fonia. Eu, ouvia, mas evitava responder-lhe. Mas, tanto chamava que eu carreguei na tecla para emitir-lhe a mensagem. Nesse momento, levei com um coice, que me deitou ao chão. Caraças, coincidência dos raios…
Pior, pior, poderia ter acontecido a um colega Ocart chamado Carrão.
Era mais velhinho do que eu e, o tempo do Leste estava a estragá-lo no vício das bebedeiras. De serviço, passava as noites, na Nocal.
Noite de trovoada, já com os copos, resolveu descer a Torre pela parte que ligava o fio condutor do pára-raios!...Foi um doido de varrer…
Ágatas do Rio Xicapa
12 - Trovoada, trovoada, também surgiam para os lados de Gago Coutinho….
Voz fraquinha, lá longe, com atrapalhação, ouvia eu, um piloto chamar….
H. Carvalho… H. Carvalho… daqui, Do…. A tantos graus de Latitude/longitude, com proveniência de G. Coutinho e com destino ao Luso. Tenho dificuldades em prosseguir rota. Grande turbulência, trovoada, escuto…   
O.K. mensagem recebida. Vou contactar o Luso e informar Luanda da sua posição. Sempre que possa vá transmitindo a sua posição e estado.
As mensagens surgiam cortadas, pausadas, sumidas e interrompidas. Interromperam de vez e, fiquei sem saber se o “zingarelho” tinha caído ou, não…
Chamei o Luso para indagar sobre o acontecido. Tinha o nosso grande amigo Pinheiro conseguido sobreviver a uma tempestade medonha.
Para minha alegria, contactei com ele anos atrás, era piloto militar de carreira e oficial superior.
Grandes aventuras tive com ele de avião, (T-6 e DO-27).
a magestosa
Enfim, era nesta Torre que escrevia as minhas cartas aos meus pais (já falecidos), irmã,  amigos e namorada. Nesses momentos saudosos, aplicam-se com justeza os versos da Balada de H. de Carvalho, da autoria do nosso companheiro Rocha Marques (piloto), quando narram o seguinte:


Quando a noite veste de sombras o mundo,
E o silêncio me desperta a solidão,
Verto lágrimas e o meu sofrer é profundo,
Põe-me louco de saudade o coração…

…,     …,”

Até breve.
VÍTOR OLIVEIRA - OCART