domingo, 20 de março de 2011

LESTE DE ANGOLA - 18

Memórias de um passado saudoso
DE ANGOLA A MOÇAMBIQUE – JUNHO de 1973

   1973 – 29 de Junho, 6ª-feira, 1º. dia de viagem por terras de África

    Estou de abalada. Inquieto, aguardo com ansiedade a partida de Henrique de Carvalho para Luanda.
     Passam-se longos minutos e todos os passageiros se interrogam pela espera que têm feito. O “Nord Atlas” mantinha-se na placa de estacionamento e, a tripulação aguardava com expectativa os colegas que estavam para chegar do Luso. Tratava-se de alguns especialistas que deveriam seguir para a Metrópole a fim de frequentarem o curso de Furriéis. Do Luso, tomavam o “Nord” em Saurimo, e de Luanda rumariam ao “puto”.
     Assim, iniciava o meu voo ao escurecer, contrariamente ao que era usual neste avião de Sexta-feira.
     Na rota, tantas vezes viajada por mim, avistei as queimadas africanas. Agora, na escuridão, a paisagem surgia no seu esplendor. Esta imagem ficou-me gravada na memória -- não fosse ter visto com frequência os quadros a óleo vendidos junto à marginal de Luanda. África a arder!
     Na capital, o que fazíamos normalmente?
     Passear, sobretudo pelas avenidas mais movimentadas. Marginal, Portugália, Mutamba, Polo Norte, cervejaria Biker, Maria da Fonte, Mercado, edifício da Cuca, avenida dos Combatentes, e se continuássemos por esta avenida, embicávamos nos lugares super conhecidos do Marçal e do Bairro Popular. 
Aliás, todas as estradas se direccionavam para estes aprazíveis locais! 
Queimadas e rios na rota de Saurimo
   Nesta altura, mas desta vez fora destas “paragens”, acompanhava-me o sargento Prates.  
     Nunca se andava sozinho. No buliço citadino, o colega marcava presença para se beber, conversar, ir ao cinema “Império”, dar um passeio pela Ilha e subir até ao sétimo andar, finalizando a “parada” na esplanada da Messe dos sargentos. Camarão e cerveja – não faltavam.
     Porém, o meu destino não era Luanda. Esta cidade era simplesmente mais um ponto de passagem para os lugares mais longínquos que se avizinhavam e, como tal, teria que dar seguimento ao meu propósito. Dirigi-me à “Região Aérea” para marcar passagem no avião militar para Moçambique. Aproveitei esta deslocação para fazer umas compras no “D.B.I.” e fui ao Banco de Crédito cambiar escudos angolanos por moçambicanos -- câmbio favorável que me facilitou as despesas no Índico… 

      À noite, conjuntamente com o 1º. Sargento Guerreiro, vivemos o bailarico até às tantas, numa daquelas noites de bom calor… noite tropical.
Av. dos Combatentes e Marginal de Luanda
    Já no Domingo, 1 de Julho, levanto-me cedinho para apanhar o “Boeing-707” da FAP, com destino à Beira. No aeroporto de Luanda, o meu peito enchia-se de ar. Na minha mente, palpitava a aventura. Cruzar África e chegar ao Índico, era um sonho!
     Mais uma delonga, mais uma partida e, esta, forçada. Após meia hora de voo, já em céus de Cuando-Cubango, eis que algo nos dita o regresso, e o regresso à Base. Houve uma fuga de pressão, e a carga mal distribuída no interior da aeronave fizeram com que voltássemos à origem, para a devida reparação. E, antes isso!...
     A viagem estava a começar mal, mas eu estava entregue à fantástica FAP e, todos os problemas fossem aquele. Deslocámos e seguimos o caminho aéreo que se prolongaria por mais três horas e quarenta e cinco minutos.
     O interior do avião encontrava-se completamente desmiolado. Meia dúzia de assentos na parte da frente, e uma pequena carga na traseira. Em quase toda a extensão do avião havia um vácuo, e para o ocupar, um catraio jogava à bola como se tratasse dum campo de futebol. Giro, imaginar um entretenimento semelhante a cerca de dez mil metros de altitude!
     Eu comecei por assistir aos chutos do petiz, mas acabei por entrar na jogatina -- não deixando de mirar as paisagens do centro africano. A região pantanosa do Zambeze, as intermináveis migrações dos gnus – quais manchas escuras em fila indiana a percorrerem aquela vasta savana rumo ao Norte. Partes desérticas do Botswana, cataratas da Rainha Vitória, a cidade do Bolawaio na ex-Rodésia e, por fim, a fronteira Moçambicana com as suas montanhas de Manica a demarcarem a divisão territorial.
     Percorri toda a intersecção do mal afamado “Mapa cor de rosa”. Agora, encontrava-me na segunda maior Província Portuguesa, e de Sofala à Beira, era um pulo.
Cataratas da rainha Vitória  ex-Rodésia
     Da Base (B.A. 10) à messe percorriam-se treze quilómetros, e ao atravessar a segunda maior cidade moçambicana, fiquei com outro tipo de impressão. Povos de diferentes raças (muçulmanos, paquistaneses, chineses, indianos) todos com vestuários e pinturas características. Olhos rasgados, corações vermelhos na testa, sinais cor do ouro junto ao nariz, veste até aos pés, cabelos pretos retintos, longos e lisos. Tudo, para a época, marcava uma real diferença pois, o hábito de ver tais costumes era raríssimo na nossa “sanzala”.
     Rodesianos, havia-os por todos os lados, e para meu espanto, todo o mundo conduzia pelo lado contrário, tipo inglês.
     Bem, obriguei-me a estacionar por esta maravilhosa capital, detentora do “Moulin Rouge”.
     Por aqui fiquei mais uns dias para regularizar a minha estadia e apresentar-me às autoridades militares. Havia que assegurar as outras viagens pelo interior da Província e marcar o regresso a Angola.
     O percurso terrestre estava delineado porém, no próprio terreno, teria que rever a rota.
     Moçambique era mais belicoso, as estradas nem sempre estavam livres de armadilhas, o Norte era ameaçador, a Gorongosa tinha sido atacada há dias atrás. O perigo chamava a atenção para o necessário acautelamento. Viajar sozinho, à boleia, em território em guerra — era duro.  Havia necessidade de perscrutar os nossos conterrâneos mais velhinhos!
Beira com as suas tradicionais praças


Até breve
O amigo Vitor Oliveira Opcart