segunda-feira, 16 de maio de 2011

LESTE DE ANGOLA - 20


 Memórias de um passado saudoso

DE ANGOLA A MOÇAMBIQUE – JUNHO de 1973


5 de Julho, 5ª. Feira, 7º. dia de férias – Lourenço Marques
Eu e Sé Catedral
     Ainda de manhã, aproveito os raios solares na belíssima praia da Beira. No Macuti, junto ao farol e ao velho casco de navio abandonado em terra, penso na partida para Lourenço Marques (Maputo).
     Entretanto, soube que a minha correspondente Ana Paula tinha andado à minha procura acabando por me deixar um recado escrito no dormitório. Desencontro temporário pois, viria a cruzar-me com ela no regresso à Beira.
     Por volta das 13:00 h parto para o aeroporto aproveitando a carrinha da FAP, e num avião  Nord-Atlas, sigo para a capital – demorando duas horas e poucos minutos na viagem. Era um trajecto semelhante a tantos que fiz entre Saurimo e Luanda. O percurso tem quase a mesma quilometragem e era feito pelo mesmo tipo de avião.
     No ar, observava a paisagem terrestre e pelo que me foi dado analisar, poucas estradas se avistavam assim como, povoações. Somente junto às antigas vilas, Luísa e João Belo, se poderia constatar que o terreno se apresentava cultivado e com imensas irrigações.
     Chegado ao AB 8 (L. Marques), logo me dirigi para a Messe dos Sargentos, localizada no centro da cidade, e aqui me alojei.
     À noitinha, ao jantar, deparei-me com velhas amizades não previstas em reencontrar. O Fragueiro, meu instrutor na Base das Lajes, Açores, e o Pereira, meu colega de curso na Ota. O Globo é pequeno. Em todo o seu redor se encontram pessoas conhecidas…
     Lembro-me que após o jantar fomos ver o filme “The young Churchill” num daqueles cinemas chiques de imitação inglesa. Nesta Província, o snobismo era radical, opondo-se ao populismo Angolano. Era o mundo do laço e da gravata – do parece mal, e da imitação à Sul-africano, Rodesiano e Inglês.
     Pela impressão com que fiquei, gostava mais de viver em Angola, porque se encontrava mais desenvolvida e com gente bairrista. Angola era mais africana!
     Só para se fazer uma pequena comparação em relação à Messe da Força Aérea, nesta, os quartos possuíam telefone e as refeições eram servidas por criados negros, vestidos a rigor. A sala de jantar tinha ar condicionado e havia espelhos espalhados pelas paredes. Era um luxo… Mais parecia estar num Hotel e, simplesmente era uma Messe de Sargentos porém, diferente da de Luanda.
     A apresentação no destino das minhas férias era feito no Comando da capital, e para lá me dirigi. Situava-se na belíssima avenida António Enes. Foi mais um dia a tratar de assuntos FAP, mas a passagem de regresso ficou garantida para princípios de Agosto. Agora, estava livre de poder viajar.
Avenidas de Lourenço Marques
     Seguem-se dias citadinos e os passeios a pé sucedem-se. Havia avidez em percorrer a capital e, daí, palmilhar a avenida 24 de Julho,  o Parque e o Miradouro voltados para o Clube Naval,  e visitar a Igreja de Santo António da Polana. Esta igreja, também conhecida por Igreja em “leque”, foi construída em 1962 e tratou-se dum projecto do arquitecto Nuno Craveiro Lopes, que foi Chefe do Gabinete de Urbanização das Obras Públicas de Moçambique (1952). O seu estilo é de arquitectura modernista e faz com que seja um dos edifícios mais emblemáticos de Moçambique. Tem a forma de uma flor invertida e é popularmente conhecida como o “espremedor de limão” devido às suas formas geométricas. Os seus vitrais coloridos que vão até à cúpula conferem-lhe no seu interior um aspecto quase mágico e de invulgar beleza. Presentemente, é uma das sete maravilhas de Maputo.
Igreja da Polama
     Continuando, desloquei-me ao célebre Museu Álvaro de Castro – o único no Mundo com tubarões, elefantes, leões e outros animais possantes, embalsamados. Répteis, secções determinadas à embriologia, ossadas, conchas, peixes, etc. Algo que não tinha encontrado noutras paragens. Este museu, muito afamado para a época, foi fundado em 1911 e instalado desde 1933 num belo edifício inspirado no estilo Manuelino, construído pela Câmara Municipal. Começou por ser Museu Provincial, depois Museu Dr. Álvaro de Castro, passando a designar-se, após a independência, por Museu de História Natural.
Museu Álvaro de Castro
     De tarde, continuei pelo Mercado Municipal, tão característico e conhecido em todo o Império Colonial. Daqui, passei pela feira popular e rocei a espantosa Sé Catedral, Câmara, jardim Vasco da Gama, Estufa-fria, Museu histórico da Fortaleza e o porto da cidade. Cidade rectilínea, moderna, com avenidas de vários quilómetros. Em tudo, não era inferior a Luanda.
Catedral
     Passo pela estátua representativa da 1ª. Grande Guerra Mundial, dirijo-me para a conhecida Estação de Caminho de Ferro e entro num outro museu contendo instrumentos náuticos e geodésicos. 
Percorro mais avenidas e reconheço as maiores – República e Pinheiro Chagas. Já se avistavam construções de trinta andares, demarcando esta cidade com uma das maiores da costa oriental africana. Compatibilizava com a cidade de Durban, na África do Sul.
     Grande movimentação de viaturas e múltiplos turistas Sul-africanos, raça branca, pairava em tudo o que era sítio, tal a proximidade de fronteiras. Chineses e Indianos, menos do que na Beira.

     Encontrava-me a 26 graus de latitude Sul, e nestas paragens, à noite, o frio apertava.
Estação do caminho de Ferro

     Continuo em dias sucessivos pela capital e parto para o jardim zoológico. No local, assisto a batuques, cantares e danças da raça negra – daquela raça de descendência Gungunhana. E, para relembrar o passado, faço o reparo para a conhecida sala de cinema “Gil Vicente”, onde há cerca de quarenta anos atrás vi o filme “Amor sem remorso” com Peter Fonda como principal actor.
Fortaleza
Num desses dias, ao entardecer, fui ao circo Mariano. Circo de nomeada, pelo que me fazia lembrar o mesmo “Mariano” que passava pela minha pequena cidade aquando criança. Aqui, curiosamente vi o cantor Marco Paulo. Acompanhava o espectáculo nas suas deambulações. Talvez tivesse iniciado a sua carreira artística desta forma pois, lembro-me que ele ainda era um jovem de cabelo alourado, para esse tempo. Gostei do seu canto!...
     Não parava. Pensando ser a única oportunidade de me encontrar em tais paragens, tudo queria ver e registar.
Cinema Gil Vicente
     Entro na mesquita de Aga Khan, a mesma que continha à entrada numerosos sapatos, e nesta, a que alguém recentemente tinha introduzido maldosamente um porco. Já havia malícia nesses tempos… O muçulmano estava bem radicado nestas paragens ainda sob o domínio português.
     Na outra margem, lá longe, havia uma península idêntica à Ilha de Luanda. Era Catembe e, esse longe, tornou-se perto. De barco atravessei o canal, e à distância, observei a grandeza da capital de Moçambique com os seus arranha-céus estatelados no horizonte. Foi uma paisagem tomada à légua.
     Percorro o extenso areal observando a longa baía e escuto as sirenes dos batelões, agora chamados de “catembeiros” pelo povo residente. De quando em quando apanhava uma graciosa concha, daquelas raríssimas preciosidades que ainda hoje compõem a decoração da minha casa.
     Por fim tomo o barco “Neptuno” e volto à cidade, ao lar, doce lar da minha tropa, e já cansado de tanto andar.
Lourenço Marques vista de Catembe
     Para finalizar esta estadia, e após um restauro alongado, fui passar a noite com a camaradagem vadia, pela conhecida “Rua do Crime”. Era esta a rua com bares de porta sim, porta sim, cheia de multidão, música aos berros, montanhas de luzes e coloridos anúncios de néon a acender e a apagar. Junto a cada porta, viam-se meninas de coro, muito pintadas e com umas coisinhas penduradas nas pontas das maminhas. Movimento aguerrido com marujos e turistas sul-africanos naquilo que mais parecia uma “Las Vegas” do Índico.
     Por curiosidade, vi a saber que esta rua com a denominação de “Crime”, foi substituída pelo nome de Rua Bagamoyo. Outrora, era a Rua Araújo em homenagem a Joaquim Araújo, 1º. Governador do Presídio de Lourenço Marques, nomeado em 1781. Era natural de Lisboa, Campolide, e nasceu em 1726, tendo ido para a costa oriental de África em 1748. Casou e estabeleceu-se em Moçambique. Foi capitão-tenente da Armada.
     Foi nesta Rua Araújo, do Crime, Rua Bagamoyo, que me perdi por uma noite!
Rua do Crime
      Enfim, as duas cidades principais já estavam visitadas. Faltava percorrer a savana, as cubatas, as fronteiras e o negro africanismo… Assim, continuarei na próxima narração.
Até breve
VÍTOR OLIVEIRA - OCART