quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

LESTE DE ANGOLA - 25

“LESTE DE ANGOLA”
Memórias de um passado saudoso

LUANDA – 1971 a 1975

     Após uma imensidão de anos, tento afincadamente trazer à memória as minhas vivências passadas naquela que foi a Luanda de outrora.

Releio lenta e saudosamente as anotações que tirei e que ainda permanecem no meu já velhinho baú, e faço ressaltar as datas que indicam com precisão, todos os momentos em que pisei solo Luandense.
Ainda em 1970, encontrava-me na Base das Lajes, onde desenvolvi o meu tirocínio de controlador de aviões. Um dia, nesse longínquo ano, depois de ter terminado o meu turno, e ao percorrer solitariamente o caminho da Torre para a Porta de Armas, avistei uma bandeirinha pregada a meia haste. Tinha morrido Salazar! O sino da vila das Lajes, lá bem no fundo das pistas, gemia com os seus timbres, repuxando-me às lembranças da minha terra natal e … chorei, pelo meu desterro…
Treze meses de isolamento numa pequena ilha de nada – o desmamar dum mancebo a tornar-se homem…
Prostrado no outro lado do mar, saudoso e tristonho, assim vivi até partir para um lugar mais distante ainda, por tempos mais alargados, para um país em guerra a que chamei de Angola. 

1 – 20 de Agosto de 1971 – DC-6 – LISBOA-LUANDA – 20 horas de voo

Assente num banco de lona que se dispunha do nariz à cauda do avião, seguia num DC-6, cargueiro. Do meu lado, apenas tinha acesso a uma pequenina janela voltada para o infinito. Horas e horas, num sussurrar constante, sobrepõem-se as ilhas Canárias, Cabo Verde, tangenciam-se as  fronteiras  do deserto  Sahariano,  em que a tonalidade de amarelo térreo se embrenhava no céu, medito na minha sorte, e surpreso, eis que finalizo o primeiro percurso na cidade de Bissalanca – Bissau – Guiné
Aqui, na permanência de uma hora para reabastecimento de combustível, já perspectivo os sabores duma África tropical. Simplesmente medonho!
Seguindo rota por mares fora, tentava idealizar como seria a terra do meu destino, aquela que permaneceria por largos anos – aquela que me afastava de tudo e de todos aqueles a quem muito amava.
Em silêncio, só eu magicava na aventura a que me tinham sacrificado.
Pretenso valentão a que a mocidade e o vigor dessa idade iludiam…
Vinte horas de voo, muitos quilómetros percorridos. A Estrela Polar ao desaparecer nos horizontes, fazia renascer o Cruzeiro do Sul. Parti num verão europeu – cheguei num inverno africano!
O “velhinho” contorna o aeroporto numa “perna base”, toma uma “final longa”, e dá-me tempo para memorizar tudo o que avistava, sentir a minha ansiedade, enfim, toda a convulsão psíquica de momento para, mais tarde poder recordar o turbilhão de impressões. Eu sabia que estas primeiras percepções teriam o seu amadurecimento após as futuras e diversas vivências nesta capital angolana, mas desejava contrastá-las num tempo mais prolongado, nos términos de comissão.

Descia, descia, e já sobre a noitinha precoce, capto as luzinhas citadinas, a marginal reflectida na Baía, os focos andantes dos carros, o reboliço da vida urbana. No chão, à saída da aeronave, aspiro a humidade do ar, tomo-lhe a temperatura, e pelos odores de terra molhada, revejo-me no que viria a conhecer como “cacimbada” africana.
Encontrava-me numa terra desconhecida, terra de pretos, naquela que se dizia ter pertencido a uma Rainha apelidada de N´Gola.

A solidão rodeou-me de perto, e só resisti às lágrimas porque, tive conterrâneos a apoiarem-me na minha chegada. 
Em 27 de Agosto, uma semana após ter pisado solo angolano, parti para Henrique de Carvalho. Desta feita, tomei a célebre aeronave de cognome “Barriga de Ginguba”, e num percurso de três horas, cheguei à minha derradeira etapa.
Será a partir desta data, e por mais trinta e dois meses, que cruzaria os céus entre H. de Carvalho – Luanda - H. de Carvalho, e nestas estadias frequentes, aproveitei conhecer ao máximo a capital e os seus encantadores arredores.
Neste propósito, relatarei o que vi, para avivar as mentes menos férteis daqueles que por lá passaram, também.

2 – 06/ Novembro/ 1971 – NORD ATLAS – H. C.-LUANDA – 3 H. de voo

Pouco tempo antes desta minha partida para Luanda e no propósito de passar um dos muitos e habituais fins-de-semana, combinei um reencontro com um velho amigo de infância (Luís Abreu e Sousa) o qual se encontrava no Norte de Angola em missão militar. Agrupados, eu, ele, e outro companheiro de Vieira do Minho, partimos da cervejaria “Biker”, já bebidos, rumo à Ilha - ex-libris de Luanda
A dois passos, tomando a marginal, Avenida Paulo Dias de Novais, rumo a sul, apontámos como referência o topo da Fortaleza de São Miguel. Aqui, ultrapassando a língua de terra, rodámos à nossa direita e seguimos em frente para percorrermos a Ilha de Luanda ou, a Ilha do Cabo. Isto, por sete quilómetros de comprimento.
     Logo no começo e voltados para a cidade, encontrámos o Clube Náutico, e mais à frente, seria a vez de passarmos pelo Clube Naval de Luanda, antes de encetarmos na avenida Murthala Mohamed, até ao Cais 4.

     


Caminhando pela faixa estreita  da ilha, avistámos o enorme Hotel Panorama, e tanto este hotel, como o Casino Hotel Marinha, eram considerados como marcos paisagísticos na outra orla marítima, principalmente nas belas noites tropicais.Deparámos com a Marina e os seus barcos de recreio, e no final, mesmo na pontinha norte da ilha, inclinámos pelos cento e oitenta graus contornando o célebre farol. Estávamos de regresso numa marcha apaziguada em direcção ao sul. Deste lado voltado a poente tínhamos somente o mar, praias com o resguardo frequente de esporões para darem guarida ao veraneante desejoso de se espraiar.

     


Do Restaurante Bordão,  cruzámos com o Café Del Mar, Caribe, Miami Beach, e retomámos a mesma avenida de Mohamed para darmos termo nos frequentados Restaurantes de Jango Valeiro, Chez Wou, Portugália, Três Plameiras e Praiamar, mas sobretudo no típico bar e Esplanada do Barracuda, lugar de encontro de amigos.
     A esplanada do Barracuda, a  última antes da ponta da ilha e logo depois da Praia dos Russos, era o corolário de um percurso de catorze quilómetros de praias magníficas, (sete para cada lado) de apelidos sugestivos, imaginativos, folclóricos e algumas vezes mordazes. A esplanada suspendia-se sobre a praia, e abarcava não mais de dezoito a vinte mesas, rijamente disputadas pelos poucos afortunados que podiam pagar absurdamente, até para os padrões Europeus, a eficiência e um serviço de restaurante de qualidade máxima, numa cidade onde à grossa maioria faltava o mínimo. A visão deslumbrante do reflexo do Sol Africano no mar cálido, onde, não raro, se avistavam numerosas famílias de Golfinhos, convidava a mergulhos frequentes ou à contemplação entremeada de conversa fácil. As mais bonitas mulheres de Luanda vinham à Esplanada da Barracuda banhar-se de Sol, preparando a pele para impressionar nas noites da Discoteca do Panorama.”
     Assim escreveu um cibernauta famoso…

De martelinho na mão, quebrávamos as carapaças do marisco, enquanto os nossos pés eram banhados pelas águas do mar. Sentíamos a rega no plano inferior, e com a cerveja bebida, no plano superior.
Retirando os prazeres do Barracuda e as estonteantes praias ainda límpidas na época, poderemos saborear um pouco da história desta “linguiça especada no mar”.
A Ilha de Luanda é formada por uma faixa arenosa constituída pela sedimentação de areias com detritos orgânicos de origem vegetal e animal. Teve enorme importância na recolha do “zimbo”, conchas que serviam de moeda de troca no tempo do rei do Congo, antes da chegada dos portugueses. Foi tomada em 1575 pelo navegador português Paulo Dias de Novais, e tem como referência histórica, a Igreja de Nossa Senhora do Cabo, símbolo mais antigo deste local, terra de pescadores – os  Axiluandas. 

3 – 31/Dezembro/ 1971 – NORD ATLAS – H. C.-LUANDA – 2,5 H. de voo

Passados quatro meses de estadia em Angola, já apertava o sentimento de saudade, e com  a aproximação do Natal e do Fim de Ano, épocas festivas, mais o apelo à tristeza, por não termos presente os familiares, namorada e amigos.
Esta minha deslocação à capital proporcionou-me a Passagem de Ano de 1971, para 1972, juntamente com outros companheiros hospedados no “Hotel” da Força Aérea, na Avenida dos Combatentes.
     
Para além desta especial circunstância, tinha-me proposto a exames escritos no Liceu Salvador Correia de Sá. Essa, a razão dumas mini férias de doze dias em Luanda.
Por tal motivo, tive ocasião de fazer duas visitas significativas na capital:



FORTALEZA DE S. MIGUEL 

Quem não conheceu este monumento histórico situado à entrada da Ilha? Por fora, todos o avistaram porém, poucos foram aqueles que subiram o monte de São Paulo e visualizaram toda a Baía, Ilha, e paisagens que se estendiam para os lados de Mussulo.

     
Recordo ter efectuado uma deslocação a esta Fortaleza num momento ideal para conseguir captar uns “slides” maravilhosos. Um pôr de sol com reflexos dourados espelhados no mar da Ilha, e uma avenida a cobrir-se de vermelhos e amarelos produzidos pelos faróis dos carros na marginal. Fotografei em “pose” para realçar a película…

Esta Fortaleza foi erguida por determinação do primeiro Governador, Paulo Dias de Novais, em 1575, sendo a primeira estrutura defensiva construída em Angola.
Entre 1641 e 1648, esteve no domínio holandês porém, teve a recuperação conseguida por Portugal através duma expedição armada proveniente da capitania do Rio de Janeiro e comandada por Salvador Correia de Sá e Benevides. 
Sob o Governo de Francisco de Távora (1669-1676), a Fortaleza foi reconstruída em alvenaria, ficando concluídos  um baluarte e duas cortinas. Sob o Governo de César Meneses foi erguida, no interior da fortificação, a Casa da Pólvora.

Em 1876 estabeleceu-se o Depósito de Degredos de Angola, nas dependências da Fortaleza.
Em 1938 com a extinção do Depósito dos Degredos, foi classificada como Monumento Nacional, e no ano seguinte, veio a instalar-se nela o Museu de Angola, tendo sido feitas as necessárias obras de adaptação, como a colocação de painéis de azulejos numa casamata com cenas de história de Angola e de exemplares da fauna e flora nativos.
Em 1961 a Fortaleza voltou a assumir funções militares, nela tendo ficado sediado o Comando das Forças Militares Portuguesas.

OBSERVATÓRIO DA MULEMBA de BETTENCOURT FARIA

Em Saurimo, tomei conhecimento da existência de um observatório astronómico criado por um grande Senhor, autodidacta, conhecedor do ofício e prestigiado a nível internacional.
Captei nas entrelinhas dum jornal angolano que teria sido ele a recolher uns destroços duma cápsula pertencente à NASA e que teriam dado à costa nos mares de Angola. Noutras ocasiões, e em circunstâncias especiais de colaboração a nível internacional, soube da sua “participação” num voo que foi realizado pelo célebre Concorde, por alturas dum grandioso eclipse solar, levando a bordo dezenas de cientistas que se fizeram deslocar do Quénia para a outra margem de África, numa movimentação contrária à rotação terrestre, e para melhor estudar o fenómeno.
Pois bem, quem foi este grande Homem conhecido por Bettencourt Faria, e qual a sua obra?

O Centro Espacial da Mulemba, situado a treze quilómetros de Luanda, foi o sonho de um homem que já nasceu génio. Viveu a sua infância na Ilha de S. Miguel e já nesta altura se percebia o seu espírito inventivo. Construiu o seu próprio violino, reparou um aparelho de fisioterapia de seu avô médico, tocava piano, pintava e já fazia pequenas esculturas – tudo isto em criança.
Já em adulto, parte para Angola para trabalhar na Diamang, e a par do seu trabalho, desenvolve o seu “hobby” dedicado à astronomia e biologia marítima. Torna-se tão evoluído que os dirigentes da Refinaria Petrofina, em Luanda, o contrataram para funções altamente especializadas. Entretanto, vai arquitectando a forma de construir um Observatório astronómico naquela região (Mulemba). O Empreendimento teve por finalidade fazer estudos solares, nomeadamente: fotografias integrais diárias; contagem de manchas solares; heliografia; espectrografia, recepção de ondas electromagnéticas; fazer qualquer espécie de astro—fotografia; proceder a estudos de rádio-astronomia e rastreios de satélites artificiais.

Neste último trabalho, Bettencourt Faria foi o único português que registou e fotografou em aparelhagem apropriada os sinais emitidos pelo primeiro SputniK russo. Em todo o Continente Africano foi no seu Observatório que se conseguiu realizar este trabalho.
Segundo palavras do Dr. Fernando de Oliveira, um dos directores do Serviço Internacional da Fundação Gulbenkian, disse: “Era um homem extraordinário, tanto no aspecto humano como na sua qualidade de investigador e cientista”.
Dedicava-se a uma série de actividades que dariam para meia dúzia de sábios.

A NASA chegou a pedir a colaboração do Centro Espacial da Mulemba e a National Environmental Satellite Service, enviou-lhe uma carta em que dizia: “ Com o esquema do seu sistema APT, Bob Popham e Chuck Vermilliou do Centro de Voos Espaciais de GODDARTD/NASA e eu, chegámos à mesma conclusão: você fez um excelente trabalho não obstante as frequentes dificuldades logísticas (de superintendência) que enfrentamos; ficámos particularmente satisfeitos em verificar a sua opção sobre elementos de lógica – usando, o que consideramos ser componentes seguros e comprovados. O seu Governo, tem muita sorte em dispor de alguém tão competente e dedicado como você na investigação tecnológica; AS NOSSAS FELICITAÇÕES”.
Este foi o Homem que em Luanda foi barbaramente assassinado em 1976, vítima da desordem e do caos em que Angola foi lançada.
Um dos seus familiares é meu amigo pessoal, residente na minha cidade, e costumamos recordar este génio da astronomia e de outras ciências. Falamos dele, do seu Observatório na Mulemba e dos gloriosos dias passados em Luanda.
Aposto que muitos dos nossos companheiros da FAP nunca ouviram falar de tal cientista!!!
(Esta é uma das três partes da minha crónica)
Até breve
VÍTOR   OLIVEIRA - OCART