segunda-feira, 5 de março de 2012

LESTE DE ANGOLA - 27

“LESTE DE ANGOLA”
Memórias de um passado saudoso

LUANDA – 1971 a 1975

3ª. E ÚLTIMA PARTE – CRÓNICAS DE LUANDA


7 – 23/Nov./1972 – F. Fokker 27 (DTA)-  H. C.-LUANDA  – 2,4 H.  de voo

     Parti de férias a fim de percorrer sete mil quilómetros por terras angolanas.
     Estas viagens estão retratadas neste blogue http://ab4especialistas.blogspot.com/, na rubrica “Crónicas e contos dos nossos tempos”.

8 – 29/Junho/1973 – NORD ATLAS – H. C.-LUANDA   – 3 H.  de voo
     Por terras Moçambicanas nos longos cinco mil quilómetros descritas no mesmo blogue e na mesma rubrica.

9 – 29/Julho/1973 – DC-6 – BEIRA-LUANDA   – 6 H.  de voo
     Curta viagem ao Norte de Angola relatadas nas mesmas crónicas.

10 – 25/Janeiro/1974 – NORD ATLAS – H. C.-LUANDA   – 2,5 H.  de voo
    
Neste dia comemorava o meu 25º. Aniversário, e nada melhor que passá-lo na capital.
      Vinte e nove meses de comissão. Aguardava com ansiedade para pôr fim a esta estadia prolongada em terras distantes. Era tempo de organizar a minha vida e dar-lhe outro sentido. Ter paciência para aguardar até ao fim da minha missão!
      Para quebrar a rotina praticada pela maioria dos meus companheiros de armas, resolvi deslocar-me para os arredores da cidade e conhecer um Parque onde pudesse ver os animais selvagens em liberdade.



PARQUE DA QUISSAMA
 Apesar de ainda incipiente, o Parque da Quissama era dos que começavam a ganhar forma e fama, mas muito aquém do já conhecido Parque da Gorongosa, em Moçambique.
     Sempre no mesmo rumo para Sul pois, para Norte havia a guerra, mais uma vez passei pelo Mussulo, Miradouro da Lua, Barra do Cuanza, e atravessando o grande rio, embrenho-me no Parque Nacional da Quissama.
     Este Parque foi estabelecido como Reserva de caça em 1938, e considerado como Parque Nacional, desde 1957.
     Fica situado a setenta e cinco quilómetros de Luanda, entre o Oceano Atlântico, o rio Cuanza e o rio Longa, e tem uma área de 9 600 quilómetros quadrados.
      É limitado a Norte pelo Rio Cuanza desde a Muxima até ao mar, a Sul pelo Rio Longa desde a estrada de Mumbonbo-Capolo até ao mar, a Oeste, pela linha da costa entre a foz do Rio Cuanza e a foz do Rio Longa, e a Leste, pela estrada que vai da Muxima, Demba-Chio, Mumbondo e Capolo até ao Rio Longa.
      A vegetação varia muito das margens do Cuanza para o interior do Parque, com mangais, floresta densa, mosaico floresta-savana, floresta aberta e mata tropical seca com cactos e imbondeiros. Desta variedade de vegetação resulta uma fauna abundante e rica. Entre os acostumados leões, elefantes, girafas, zebras, búfalos, hipopótamos, porcos-bravos, crocodilos, existem os Manatins Africanos, Palancas vermelhas, Talapoins e Tartarugas marinhas, assim como uma enorme variedade de aves. 




11 – 23/Fevereiro/1974 – NORD ATLAS – H. C.-LUANDA   – 2,5 H.  de voo
     Já tinha passado um Natal e outro Fim de Ano em Luanda, mas nenhum Carnaval.
     Sabendo da minha desmobilização para o mês que se seguiria, resolvi partir para a capital e, daí, dar um pulo a Salazar a fim de me despedir da minha namorada.
     Regressado à urbe, propus-me fazer passar por repórter fotográfico e introduzi-me no seio da Marginal tirando múltiplas fotografias ao desfile carnavalesco.
     A multidão aglomerada nas bermas assistia ao desfile do animadíssimo corso. Calor, colorido, alegria e desejo de animação, entrelaçavam as diferenças raças numa união nunca vista.
     Naquele momento e naquela tumultuosa confusão, eu, no centro da avenida e de fronte para os mascarados, e nas margens, a assistência aplaudindo as marchas carnavalescas, sinto que alguém se aproxima de mim. Uma voz mais sonante ressoa e clama por “primo Vítor”, e num reparo quase instintivo, alcanço uma querida familiar (Jandira Raimundo) citadina e moradora nesta cidade. Coincidência de momento que recordamos frequentemente ao longo das sucessivas décadas já passadas!

CARNAVAL EM LUANDA
     Com o início da  guerra em 1961, as autoridades portuguesas proibiram o desfile livre do Carnaval em Angola. Os grupos carnavalescos só puderam desfilar a meio da década de sessenta e em locais determinados, como por exemplo, junto à igreja de S. Paulo até Anangola, início do Bairro Operário, junto do Bairro do Cruzeiro.
     Nesta altura, o Centro de Informação e Turismo de Angola criou regulamentos e junto das Câmaras Municipais, dinamizou um Carnaval a  seu jeito. Proibiram o uso de máscaras entre os elementos de cada grupo, passando a exigir que o desfile principal fosse na avenida Marginal.




     Incrementaram os corsos, corsos carnavalescos, corsos alegóricos que desfilavam nos espaços e ao longo da Avenida Paulo Novais. Nessa época, só o Carnaval do Lobito competia com o Carnaval da Capital…

12 – 23/Março/1974 – NORD ATLAS – H. C.-LUANDA   – 2,5 H.  de voo
      Eis-me desmobilizado e quase com três anos de comissão!
     Agora que o tempo findava já sentia tristeza em deixar a minha África pois, já a trazia presa à alma. Tinha começado a ganhar raízes, e se não fosse a família e amigos plantados no “outro lado”, deixar-me-ia ficar!
     Parti, parti para Luanda neste dia 23, e por mais quatro dias, regressaria à Metrópole, ao “puto” que me viu nascer. Tinha receado chegar, tinha pena em partir!
     Ora, nestes poucos dias fui errando pela cidade…,…
     Mirava com atenção todas as avenidas, bares, paisagens, Baía, Fortaleza, Mutamba, Ilha, Porto, Cuca, B.O., Marçal, Polo Norte, sempre com uma certa nostalgia de não poder reencontrar estes focos de prazer… Assim como tinha registado afincadamente e com todas as percepções possíveis a minha chegada a Luanda, assim o fazia na minha partida, para mais tarde recordar.
     E num dos percursos errantes deparei-me com dois companheiros especialistas que estiveram comigo nos Açores. Sendo da mesma especialidade, cada um partiu para um aeródromo base diferente - Vila Cabral (Moçambique) e Luso (Angola). Já na disponibilidade, mas sendo angolanos, pretendiam refazer a vida nesta Província prometedora.
     O Paixão e o Antunes, dirigiam-se para o Aeroporto de Luanda a fim de frequentarem umas aulas para obtenção do curso de controlador civil e convidaram-me para assistir às mesmas na Torre. Fui sem compromissos.

AEROPORTO DE LUANDA
     Muitas vezes me encaminhei para este aeroporto em carrinha militar ou, de táxi, e de igual forma, fazia a viagem no inverso aquando das minhas aterragens. Só estranhava os momentos que interrompíamos o percurso colocando a viatura parada na berma, e nós, apeados, em sentido, aguardávamos alguns segundos como que homenageássemos alguém! Era um ritual patriótico que o luandense fazia ao fim da tardinha como que uma sirene quisesse marcar o momento certo… Costumes de outrora… Esquisito, por incompreendido!
     Este conhecido Aeroporto distanciava-se da cidade quatro quilómetros, na zona de Belas, nas imediações dos bairros de Kassequel, Kassenda, Rocha Pinto e Mártires do Kifangondo.
     
Pouco há a referenciá-lo com palavras porém, direi que a sua adjudicação e execução foi levada a cabo em 1952, tendo-se tornado a primeira grande obra em Angola. De resto, melhor do que descrições, serão as fotos da sua estrutura e dos aviões da época – recordações que vincaram a nossa memória.






13 – 06/Abril/1975 Boeing 707-LISBOA-LUANDA  – 8,5 H.  de voo
     Porquê Luanda de novo? Estranho?
     Qual a razão de voltar a África após um ano de estadia na Metrópole e prestes a passar à disponibilidade?
     No momento, colocado na Base do Montijo, aguardava pelo dia que poria fim ao meu zelo militar contudo, com a revolução de Abril, a pretensão a um emprego tornou-se amarga de obter. Percorrendo o país de lés a lés, nem pio de promessas, quanto mais certeza alguma e, o mancebo, já sargento, candidatava-se a um inútil desempregado.
     Tinha papado com seis anos de tropa Salazarista ou, Marcelista – agora, engoliria a futilidade do meu ser, como democrata. Duas sortes numa só!
     Restava-me percorrer Mundo, e antes de deixar os campos da aeronáutica, resolvi aproveitar os últimos cartuchos em boleias de avião da FAP, e com isso, partir de férias para Angola no intuito de observar a situação e preparar o meu futuro civil.
     Bem, o propósito em terminar esta crónica não será relatar o que foi a minha vida no meu regresso a Angola, mas preparar o leitor para colher a impressão com que fiquei, no momento em que o avião se fez à pista, e no percurso do após aterragem.
     Nesta minha já experimentada “final” (sem pernas base pelo meio), não me senti apreendido com a incógnita da guerra colonial, e da distância, da saudade, dos mistérios de África. Ao vislumbrar as luzes da Baía, reconheci com prazer os meus tão queridos passeios pela Marginal. Tudo me era familiar que até parecia que estava a regressar a casa, mesmo colocado num Mundo oposto.
     A incerteza dava lugar à alegria, a uma nova esperança, à perspectiva de construção de vida num país que se prestava a caminhar por seu pé.
     Relembro as impressões com que tinha ficado na primeira aterragem e comparei-as com esta segunda. Da primeira, parti positivo e cheguei negativo. Da segunda, parti negativo e cheguei positivo.
     Retirava-me do seio familiar e colocava-me na selva ou, fugia do desemprego e esperançava-me numa vida tida como normal?!
     Voltas e mais voltas que o ser humano dá…
     Passadas as férias, com nova guerra às portas em toda aquela promissora pátria, verifiquei nova ilusão.
     No centro da cidade jaziam casas destruídas pela disputa na já anunciada guerra civil. Ruas e avenidas carregadas de lixo. Mundo desconhecido e que atemorizava. Incertezas no caminhar por aquilo que considerávamos pacífico. Mortes acontecidas, praias desertas, movimentos duvidosos e o poder das armas de homens que nunca tiveram outro ofício.
     Em Nova Lisboa, ouvem-se tiros à noite, e em Luanda, os colegas da Messe resguardam-se nas casas de banho para não serem rasgados pelos tiros dos bombardeamentos.
     Sem lugar para dormir nos sítios acostumados, recorro ao Hotel D. João II, local de batalha travada no dia transacto, … mas o sono foi tardio e o pesadelo terrífico.
 Simplesmente, captei uma presumível independência com muita dor e morte, e manifestei o desejo de nunca mais lá voltar.
     Contrastes de impressões absorvidas em tempos diferentes… 

Até breve
VÍTOR OLIVEIRA - OCART