segunda-feira, 15 de outubro de 2012

SAURIMO - "CONVERSAS NA CIDADE" - II


Nota Introdutória
Com proveniência da Base e chegados à cidade para uma estadia de várias horas, os nossos convidados “especiais” encontram-se precisamente no cruzamento do “Hotel Pereira Rodrigues”.
Uma das avenidas, seguindo para Ocidente e passando resvés à “Fotolux”, caminha para o cinema “Chikapa”. Outra, projectando-se para Norte, reflecte uma paralela ao pequeno jardim do Hotel, dando rumo ao velho mercado e ao bar do “Estrela D`Alva”. Do Sul, acabou de chegar a carrinha da Base com os seus “veraneantes”, e para o Oriente, apenas a picada junto aos quartos do Hotel – atalho que servia aos destinos dos edifícios dos Correios, Palácio do Governo, Capela e Rádio Saurimo.
_______________________________ /// ___________________________
Marrador – O Vito e o Joca despertos para darem “guiso” à língua, chegaram à tal dita “Las Vegas”. Na encruzilhada do “fala-fala”,… e nada se diz, no local próprio das “calhandrices”, e de “peito feito”- tal e qual como dois galitos da índia se tratassem, eis que afinam o “lamiré”, mas num tom mais citadino …,… elegante para a “gente da Alta”. Vou dar corda aos falantes…
VITO – Hummm…Humm…
JOCA – Temos boi?
VITO - Lá estás tu!... Não estás a ouvir o “quissanje” a tocar?
JOCA – Bruxooo… Há batuque na esplanada, e já sei porquê…
VITO – Estou à espera… Dá à língua.
JOCA – Não ouviste falar no casório do Dinis? Trata-se do seu casamento, e os “toca-toca” são o grupo da Base. Os da “FAP”
VITO – O quê?! Os do “Cacimbo”?
JOCA – Yes, meu! E têm como Maestro, o celebríssimo Bilinhos a dar à “guita”.
VITO – Hummmm…
JOCA – Lá estás tu a chamar a “vaca”…
VITO - Escuta-me os acordes das guitarras, retira-me os “bemóis”, conjuga-me os “sustenidos”, e o que é que te fica retido nos tímpanos?
JOCA – Eh pá…Eh pá… Há uma certa desafinação!... Talvez alguma guitarra com cordas de marinheiro ou, “nocal” em excesso?!...
VITO – Olha! Olha o “IIM Careca”!... Saca-lhe novidades.
JOCA – “IIM Careca”? Estás a ficar gago ou, com a garganta seca? É o QUIM. Se falasses em alhos – já lhe tinhas colocado o “Q”!...
VITO – Ehhh… Quim. “Tweia kuno ao Muata”.
JOCA – Com esses termos quiôcos…ainda chateias o “especial”.
VITO - Só estou a chamá-lo. Estamos na Terra dos “Lunda”.
QUIM – “Moio Weno”… “Gungungo”?
VITO – “Moio”… ainda conheço!...Agora, com feno?! Só se for aqui para o Joca !...
QUIM – “Moio Weno” é um cumprimento mais completo em “Quiôco language”. E “gungungo” – é a perguntar se estão com força e sadios.
JOCA – Estamos sadios. Com força?! Nem tanto! Aqui o Vito está a ficar gago e precisa de molhar a goela…e amolecer o feno!
VITO – Quim, dormiste no “Hotel Palhota”? Eu, e o Joca, fomos os primeiros a chegar à cidade e tu já cá te encontravas…Estadia no “quimbo”? Por isso…é que sabes falar bem o “matumbo”!...
QUIM – Estás a ver miragens. O melhor é irmos às “cucas” para o Lux Bar.
JOCA - Já vamos. Vou chamar aqueles “canhicas” para me engraxarem os sapatos. Quero cruzar as pernas e mostrar as “ferraduras” sem timidez.
VITO – Bruxooo. Acertaste na “mouche”. Também quero. Oh Quim, aguarda pela malta. Oh… “xacala”, vem cá ao “Muata”. Quanto levas pela graxa? Quanta “falanga”? Vá…tu, e o teu mano, vamos ver quem é o melhor, mais rápido, e cantante.
JOCA – “Canhica”, quero música com o pano. Ginga, puxa, puxa…
VITO – Este sim! Até põe “sustenidos” no bater do pano. Ehhh… “cambutinha”!... Pareces um barrote queimado, mas trabalhas bem. Puxa…puxa…
QUIM – Até bato o pé … para acompanhar o batido do pano… O Conjunto aqui em baixo é melhor do que o do casamento! As notas musicais da esplanada estão a sair como bolas de sabão… Poc…poc…poc…
VITO – Meninos, já chega de tanta “cuspidela” no pano. Apanhas-me distraído, e da graxa – só sai cuspo? Toma cinco “falangas” e não digas que vais daqui…O quê? “falanga Kake”? É pouco?!
JOCA – Deixa. Eu dou mais cinco “falangas”. “Moio”, “moio”. “Zungo Kawaxi”.
QUIM – Um dos “canhicas” disse “tuje”!...
VITO – Aihhh… O Joca perguntou-me há momentos se tínhamos boi. Agora, Os “matumbos” dizem “muge”?!...
QUIM – “tuje”…”tuje” – “bull shit”!...
Marrador – Nesta “lenga-lenga” de encruzilhada, lá se ia passando o tempo duma forma descontraída, antes de se deslocarem para outras paragens. E que paragens? Mais metro, menos metro, e esbarrava-se com as sanzalas, com os musseques e os quimbos!... Deambulava-se de canto, sobre canto – na conversa fiada!...
VITO – Há tempos atrás fui apanhado neste local…com uma pinta do caraças!...
JOCA – Deram-te os gases?
VITO – Não. Mas fiquei azedo que só me deu vontade de tirar o “cabaço” à filha do pedreiro.
QUIM – Do pedreiro da Base?
VITO – Sim, sim. A que trabalha no Rádio Clube Saurimo. Olha!... colega do Dinis… Essa linda, como uma “tusula tchibandala”. Telefonou para a Base a querer falar comigo. O telefonista, nosso conhecido, encaminhou a chamada para mim a dizer que se tratava duma donzela que me queria segredar. Afiei a “dentola”, parafinei o “pífaro”, afunilei o bigode, insalivei a garganta, e numa voz suave e doce…anunciei-me. “Faça favor de se espremer”… falava assim o galanteador!... Ela, meigamente, com uma voz de derreter aço, convenceu-me a esperá-la neste local à frente de nós. Aqui, no jardim do Hotel, às 15:00 h, defronte daquelas janelas dos quartos do “Pereira Rodrigues”.
JOCA e QUIM – Vieste cá?
VITO – Vim. Quem não teria vindo? Com aquela voz – até me achei o “Elvis Presley”!...
JOCA e QUIM – Não pares. Acaba a “marração”. Talvez nos arranjes companhia para trincarmos as “moelas”…
VITO – Esperei … esperei … e já cansado e com o pescoço pendente de tantas curvas voltear – desanimei. Quando me desloco para sair da “ratoeira”, eis que lá de cima do Hotel oiço uma risada desenfreada. Era a “mula” com a pança cheia de gozo….
JOCA – Caíste? E as colegas a curtirem, também?
VITO – Deixa, deixa, que ainda lhe abato o “cabaço” e não pagarei nada ao “soba”.
QUIM – Não te aborreças com essa. Num baile do “Chikapa” fui para a convidar para uma dança, e quando ela se levantou da cadeira, gulosa para me abraçar, dirigi-me para a colega do lado e tomei a outra como minha dançante.
JOCA – Deste-lhe uma “tampa”?
QUIM – Das grandes. Parecida com a “Carlota” da feira – aquela que vende rifas!… Para gozona, gozona e meia…
VITO - Gozona, e…toda!. Toda, e no “sundji” dela.
JOCA – Maldoso!...
VITO – Vamos, vamos à “cuca” e à “nocal”, ali no Lux Bar. Depois, das “moelas”, comemos uns “pi-pis” com “gindungo” a valer. Segue-se uma “bilharada”, e tomamos rumo ao “Estrela D`Alva” ao encontro dos “Neves” – companheiros de estrada batida.
JOCA – Já me está a dar a “nzala”. Só “fominha” amarela!...
QUIM – Atacamos! Ainda mal nasceu o dia…e já vai longa a “cavacada”!...
Marrador - A poucos metros do cruzamento, situava-se o famoso Lux Bar, na avenida de maior circulação. Neste lado da avenida e até ao dobrar de ambas as esquinas, ficavam nos prédios de dois andares; a Foto Lux, o Banco, lojas comerciais diversas. Defronte, tínhamos o jardim com arvoredo crescido e alguns bancos. Caminhando para o Norte, a poucos metros e no topo do jardim, saía uma perpendicular de estrada oriunda do velho cinema “Chikapa” e Capela – com seguimento para a direcção do Oriente, Bar das Bombas de gasolina, (Mobil), Luso.
O segundo destino dos nossos “capangas” seria o “Estrela D´Alva”, e para isso, teriam que descer a avenida, cruzar com a via da Capela-Luso, passando a roçar pela paragem dos camiões e autocarros de passageiros, pelo velho mercado indígena e pela Casa de Circunscrição Florestal de Angola … onde morava a belíssima Amélia, a de cabelos loiros...loiros de arrepiar. Apre….. Até breve O amigo

SAURIMO - "CONVERSAS NA CIDADE" - I


Nota Introdutória

     Repuxando o nosso passado, aquele que se inseriu nas décadas de sessenta e setenta, já do século “ido”, … há “c´anos”!... vou tentar transportar para os   “especiais”, as famigeradas conversas da “treta” tidas em família sobre temas tão diversos que marcarem a nossa estadia por terras do outro Mundo – terras do Leste de Angola.
     Certamente que todos quererão relembrar a época dourada dos nossos “vintage” e, talvez duma forma interessante e maliciosa!... Pois, sendo assim, irei apelar para três personagens por mim criadas para darem a viva voz e “palrarem” sobre nossos briosos feitos.
     Entrarão nas “peças cantantes”, o “Marrador”- aquele que marra, e não narra, o “Vito”, aquele que canta de cor, e o “Joca”, aquele que escuta e consente. Todos eles terão licença para “serrar”, “morder”, “trincar”, com moderação – e fazem convite aos leitores da “aérea nação” para intervirem, procurando nos recônditos da memória já nutrida de fluidos de “alzeimer”, formas de criticarem, corrigirem, inventando ou, desmentindo o que bem lhes aprouverem. 
___________________________   /// ________________________________


Marrador – Da Toca da Base, saem dois “coelhos” desejosos de liberdade. Fardados ou, não, eis que deixam os bares internos, a Torre, as casernas, a cidade militar, toda a sua estrutura “fedorenta”, as “gaivota de chapa batida” no seu “vai vem” rotineiro, as “paladas” de cumprimentos, capitães, disciplina a matar, o remoer que perdura diariamente…
Querem ver as “garinas” de saias aladas na belíssima Saurimo, as “black” sanzaleiras despertas nos seus “gungungos” enfim, o desejo de pronunciarem o “Moio” … para com os valentaços “batedores”.
     O Vito e o Joca já se estatelaram junto à Porta de Armas aguardando pelo transporte que os encaminhará para os lados de “Las Vegas”.
     Vou deixá-los “cantar” por longos minutos… Será uma estadia para cansar!
VITO – Ehhh pá… ao encontrar-me aqui, à beirinha da Porta de Armas, fez-me lembrar uma situação que me afrontou há meses atrás, na altura em que cheguei a esta “guerra”.
JOCA – Conta, conta. Mas fala baixo porque está ali… malta graduada.
VITO – Depois da minha aterragem nestas bandas, andei mais de quinze dias sem “arrear”. Estava tão “empedernido” que até pensei em deixar de comer, receando que pudesse vir a rebentar. Isto, de mudanças de ares, deixa-me sempre apreensivo, mas desta vez receei pela minha vida!
JOCA - E depois? Desanuviaste?
VITO – Calma. Com este receio… acabei por resolver a situação porém, acagacei-me novamente!
       Pensei em exercitar o corpo, e para tal, vesti-me a rigor com o fato de treino – calçãozinho branco, ténis à maneira, camisola de manga cavada, e nos bolsos – metade dum rolo de papel higiénico. Tudo branquinho a marchar pelas matas ou, savana. Já me esquecia que estava em África e tomei as árvores como se fosse o “Pinhal do Rei”…
     O “raso” da Porta de Armas bateu-me a “pala”, abriu a cancela, e deixou passar o pombinho branco
     Lá saltitei pela “cangosta”, pela picada a fora, aquela que seguia em frente da Porta de Armas. Andei, andei, corri, saltitei para ver se “desmoía” os “ingredientes” já amorfos, mas sinais?!... só de azoto!
     A meio caminho, já sem avistar o arame farpado das “borboletas voadoras”, oiço um ruído na medonha floresta que até me causou arrepios. O pinhal do rei, deixou de ser savana para passar a floresta pois, aqui não haviam melros a cantar… Barulho? Seria algum leão?!  leopardo?! crocodilo?! E para maior temor meu, ainda pensei confusamente se o mesmo teria asas!...
     Ohhh menino, fiz um rodopio, coloquei o acelerador a fundo, e só parei na “cagadeira” da rendição. Não houve tempo para chegar à minha “caserninha”.
JOCA – Tanta pressa?
VITO – Duas pressas… O medo e o “bombardeamento” resultante da ginástica forçada e dos leões…

JOCA – Ou de alguma ratazana!... Enfim, ficaste curado!...
Marrador – A conversa era da “treta” – tal qual as conversas dos “especiais”.
Prontos para tomarem a carrinha “mercedes” a caminho da cidade, retomam o seu “falório” já em andamento.
Não esqueçam que são apenas cinco quilómetros de percurso, mas havia muito para “palrar”.

VITO – Já eram horas de partir. Decerto que o condutor adormeceu.
JOCA – Nahhh…. Há oficiais no grupo!
VITO – Ei-la. Entramos. Bem, se não viesse, iríamos de “kinga”
JOCA – De “kinga”, a pé, de mota ou, numa “mini Onda 50”.
VITO – Transportes que já utilizei. A pé, pela “picada” de terra batida e que marginaliza a estrada asfaltada pelo lado direito. De “kinga”,  naquela que comprei ao João para me deslocar pela Base. De vez em quando monto nela e faço as minhas explorações etnológicas e sanzaleiras…
Na “mini 50”…. Essa é que me assustou redondamente!...
JOCA – Só sustos? Inicialmente, com os intestinos a darem-te volta, agora, a mota?
VITO – Pois, tinha pedido essa “motita” ao Girão para efectuar um “rally” à vilaça, e quando regressei no lusco-fusco, o farol “piscou-se”. Enquanto deslizava pela recta, mesmo sem lua, lá ia… Quando cheguei às curvas próximas da Base…fui a  atalhar. Embrenhei-me na floresta. Afirmo, não era mata, era a floresta virgem e na total escuridão. E os “cagaços” que senti na estrada sem nada ver? Já imaginava os “turras” em cada canto. Catana daqui para ali e a prisão de ventre ficava-me curada…
JOCA – “Cagaceiro”. Nem há “turras” nestas  paragens.
Calor, isso sim. Vês ali aquele caminho paralelo? Há uma semana atrás resolvi sair para tirar umas fotografias. Como não ia ninguém comigo, utilizei o “temporizador” assentando a máquina na terra batida. Quando levantei a máquina fotográfica, a correia que jazia no chão, estava separada. Tinha derretido!
VITO – Olha, olha… o Rádio Farol. Deve estar ali o Raimundo!...
JOCA – Ele, e as suas turistas… Estão sempre a “espraiar”, e ele a versejar. Poetas que eles são! 

VITO – Atrás do Rádio Farol, segue uma picada estreita que se embrenha pelas silveiras abaixo. Tive uma aventura para aquelas bandas!...
JOCA – Puxa pela língua. Mataste uma “surucucu”?
VITO – Fui visitar a Rosa, aquela boneca negra, meiguinha de encantar.
JOCA – Visitar? Fazes-me rir!...
VITO – Maldoso!... Fui visitá-la e levar-lhe cumprimentos do Júlio que partiu para o “puto” e que me recomendou protecção. Levei-lhe umas lembranças para o filho de ambos…Afinal, foi mais uma das sacrificadas da guerra e acabou com mais um encargo para a vida!
JOCA – Seria esta a Rosa que é referida nos versos do “farolista”?
VITO – Parece-me que sim. Por alguns versos carregados de tristeza, tudo indica ser a mesma. Ora escuta…
…,…           
Chama-se ROSA!     
E a ROSA tem de humano,
A posição vertical.
O resto…
O resto
É de animal irracional.
Não tem ódio no olhar,
Nem rancor pelos tiranos;      
Ambições também não tem,
Que a vida
Sempre lhe deu desenganos,
E ela deixou de ambicionar.
…,…     …,…
Aquela é uma rosa
Que não se encontra nos rosais!
Pétalas negras,
Pistilo de marfim.
E dois estigmas dardejantes de pureza,
Que beleza!        
Nunca vi outra assim.
…,… …,…
JOCA – Acredito na tua “bondade”. Não dormiste nessa noite, mas…
VITO – Nem nessa, nem em mais alguma pois, quando tentava seguir a “picada”, pela noite, errava o caminho e emaranhava-me no “silveirado”. A cubata ficava distante do povoado, isolada…naquela mata sadia!
JOCA – Sadia…
Marrador - Como a distância da viagem era tão curta, não deu para dar largas “cuspidelas” às nossas “cuscas”. Encontramo-nos na grande Rotunda, entrada na cidade. Na nossa margem esquerda, encontra-se o grande depósito de água, pintado a branco. Toma-se a Avenida principal que nos encaminha em direcção à Capela, voltamos à esquerda, passamos pelo bairro dos Sargentos, roçamos o Bar Quioco, Hospital, e terminamos o circuito em frente do Hotel “Pereira Rodrigues”, no cruzamento que dá para o cinema “Chikapa”, o novo, - local dos “mirones”
     Caros leitores, puxem pelos vossos “neurónios”. Relembrem as vossas peripécias para aconchegarem os textos do Vito e do Joca. O Marrador, suaviza a coisa… 

Até breve
O Amigo