sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

LESTE DE ANGOLA - 26

“LESTE DE ANGOLA”
Memórias de um passado saudoso
LUANDA – 1971 a 1975
2ª. PARTE – CRÓNICAS DE LUANDA
“…,…Em 27 de Agosto, uma semana após ter pisado solo angolano, parti para Henrique de Carvalho. Desta feita, tomei a célebre aeronave de cognome “Barriga de Ginguba”, e num percurso de três horas, cheguei à minha derradeira etapa.
     Será a partir desta data, e por mais trinta e dois meses, que cruzaria os céus entre H. de Carvalho – Luanda - H. de Carvalho, e nestas estadias frequentes, aproveitei conhecer ao máximo a capital e os seus encantadores arredores.
   Neste propósito, relatarei o que vi, para avivar as mentes menos férteis daqueles que por lá passaram, também.

4 – 15/Janeiro/ 1972 –F. Fokker 27 (DTA)-  H. C.-LUANDA – 3 H. de voo

     Poucos dias após ter regressado a H. de Carvalho, voltei a Luanda para realizar as provas orais das cadeiras de História e Filosofia. Parti de boleia num avião pertencente às Linhas Aéreas Civis Angolanas (DTA) e relembro-me do tipo de aeronave – Friendship Fokker – 27, a mais utilizada por esta Companhia, na década de setenta.
     Nesta permanência, aproveitei para visitar e conhecer a Barra do Cuanza, uma das pérolas da natureza angolana.
BARRA DO CUANZA 

   
  Tomando o “Machibombo”, vagueei para o sul da capital numa distância aproximada de setenta e cinco quilómetros, passando pela Fortaleza de S. Miguel, os bairros de Quinanga e Prenda, pela lateral da  ilha do Mussulo, Morro da Cruz, Ramiros, Palmeirinha, Miradouro da Lua, e finalmente o encontro com o rio Cuanza.


A Barra do Cuanza é o local da foz do rio com o mesmo nome, o maior de Angola e que demarca os limites das Províncias de Luanda e do Bengo.
     Extensão privilegiada pela natureza, dum cenário irreal, com praias fluviais e marítimas quase selvagens, escoadouro de águas mil, propícias à pesca. Serve de entrada para o Parque Nacional da Quissama.
Só com a observação paisagística é que poderemos captar e dar valor a todo o encanto desta magnífica região, não obstante, ofereço aqui algumas imagens. 
5 – 04/Maio/ 1972 –F. Fokker 27 (DTA)-  H. C.-LUANDA – 2,5 H. de voo

     Maio de 1972, entrava-se na estação do “cacimbo”, considerado o inverno angolano. Mas havia sempre calor!
     Esta deslocação a Luanda foi originada a convite do amigo e companheiro Orlando Rodrigues, o qual se encontrava no Negage a desempenhar a mesma especialidade de controlador. Da minha recruta, do meu curso, da minha companhia por terras açorianas, e agora, após uma curta separação, eis que propusemos reencontrarmo-nos na capital para passarmos um agradável fim-de-semana.
     Para o “picnic”, levámos um belo frango assado e rumámos ao Mussulo a fim de colocarmos a nossa escrita em dia…

ILHA DO MUSSULO 

     Para o sul de Luanda, a dezassete quilómetros e a caminho da Barra do Cuanza, deparava-se-nos mais uma língua de terra distanciada do continente e separada pelo mar. Tratava-se dum banco de areia com cerca de trinta quilómetros de comprimento formado pelos sedimentos trazidos pelo rio Cuanza. Esta restinga do Mussulo abriga a Baía e, no seu interior, três ilhas, sendo a ilha dos Padres a maior e a mais conhecida.
   Nesta Ilha, brincava-se, mergulhava-se, corria-se atrás das gaivotas. O nascer e o pôr-do-sol formavam como que um quadro pintado a óleo de cores douradas.
     À noite, podíamos tomar banho nas águas mornas da Baía, comungando com os cardumes e caranguejos. Era tudo tão natural e selvagem!
     Não havia qualquer viatura a perturbar a tranquilidade da ilha, nem outro barulho que pudesse sensibilizar a natureza. Apenas os pescadores seguiam a sua navegação numa tarefa constante de apanhar o peixe dócil e que nos roçava as pernas.
     Local de descanso e de relaxamento protegido pela sombra de centenas de coqueiros. Extenso areal manchado a ouro e que nos proporcionou um dia inesquecível de lazer. 

6 – 27/Agosto/ 1972 – NORD ATLAS – H. C.- LUANDA – 2,5 H. de voo

     Fazia um ano em que tinha chegado ao Continente Africano. Era quase um veterano de guerra!
     Em Gago Coutinho permanecia um companheiro da minha infância, Arnaldo Ramos – MAEQ, que de vez em quando se deslocava a H. e Carvalho – Sede de acção militar no Leste Angolano. Tive muitas convivências com este conterrâneo mais velho em comissão.
     Nesta data, surge-lhe a tão esperada desmobilização, e com ele, segui no mesmo avião até Luanda. Tomei a honra de o acompanhar, como se eu também fosse o desmobilizado por antecipação.
     Foi neste fim-de-semana, a seguir à despedida deste amigo, que disponibilizei uma tarde para poder visitar mais um lugar de rara beleza, ali nas proximidades de Luanda.

MIRADOURO DA LUA

     De novo, apontando para o Sul e a cerca de quarenta quilómetros, entre a Ilha do Mussulo e a Barra do Cuanza, estaco perante uma das maravilhas naturais desta região. O Miradouro da Lua, conjunto de falésias situadas no Município de Samba.
     Ao longo do tempo, a erosão provocada pelo vento e pela chuva criou um tipo de paisagem lunar. Ponto turístico de paragem obrigatória para quem se dirigisse às praias do Cabo Ledo. 

     Deixo aqui expressos uns versos para vivenciar estas “Sentinelas de Pedra”.

“DO MIRADOURO DA LUA VÊ-SE MAIS QUE O SOL POENTE”



“Lá do alto se pressente 
Que o vento deu forma às sombras
E a multidão de fantasmas
Talhadas em sulcos, na terra
Foi gente arrancada, às levas,
Em ferros que já não sente.

O tempo não desassombra 
O clamor petrificado.

Escravos levados negros
São vultos brancos, dourados, 
Emparedados na terra
Que ansiaram ver de novo.

São guerreiros perfilados,
São rostos desfigurados 
Em temporais e naufrágios,
Retornados a seu porto.

Agora velam as bordas
Agora choram por dentro 
Quase reconciliados:
O mar, os antepassados,
O silêncio, o verde, o vento.”

 Flávia de Queiroz Lima

Até breve
VÍTOR OLIVEIRA - OCART