quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

SAURIMO - "CONVERSAS NA CIDADE" VII


Nota Introdutória
Longas tardes se passaram naquela piscina, local de encontro deste povo citadino Saurimense. Aprazível para residentes e para os “migrantes” ocasionais. Soldadesca esverdeada e azulada conviviam com os civis numa camaradagem ímpar. Assim se vivia o clima de guerra por terras africanas!... 
Marrador - Depois deste duo acrobata ter passado um bom fim-de-semana na capital da Lunda…Depois de tanto entretenimento faustoso e gabarola….Havia que recolher ao casulo, à caserna militar. A “Base” distava poucos quilómetros, mas à pata, ninguém se sujeitava! Vamos desengatilhar o amuo dos artistas!...
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VITO – A caminho da toca?
JOCA – Toca…toca!... Já tinhas saudades?
VITO – Tinha, e não tinha! Há que deixar passar o tempo de comissão. Não há outra alternativa!...
JOCA – Deixa, não te lamentes. Goza esta boleia a caminho do A.B.4.
VITO – Boleia? Olha, os mangalas estão à nossa espera no meio da picada?!
JOCA – Chiuuu! Estão à espera do sanzaleiro!... Aproveitemos a Mercedes.
VITO – Pois, é melhor esta carreta da FAP do que ir a pé como o Cibrão e o Zé Soares.
JOCA – Foram a pé?
VITO – Sim, perderam o transporte e tiveram que caminhar sete quilómetros pela noite fora. Apanharam um “cagaço” que juraram não andarem mais pelas salas de visita da cidade. Quem se mete em atalhos, mete-se em “taralhos”…lá diz o ditado.
JOCA – “Taralhos”!... sempre com a boa educação na ponta, na ponta da língua!...
VITO – Cuidado!...Cu…Cu…Cuidado, “aprochega-se” o arame farpado!...
JOCA – “Induka”!... Parece-me que estão todos à nossa espera!...
VITO – Bruxo!…Deve ser por causa dos sanzaleiros!... Algum soba se queixou com o assalto às suas concubinas.
Marrador – Já dentro do arame farpado, os “chamuanzas” vaidosos no seu estilo continuavam no palreio. Queixavam-se, mas no fundo, até havia condição aceitável para passar o tempo de forma menos enfadonha. Sempre havia o cinema no velho Hangar, confraternizações acerbadas, petiscos no Bar e nas Secções de trabalho, tocatas recatadas, praxes de maçaricos, Carnavais, Passagens de Anos, Aniversários, jogos, leituras descansadas, circuitos de “kingas”, caçadas, recordações familiares e amorosas e captação de fotos sobre a juventude galã e…das savanas guerreiras. Mas mais do que palavras, O VITO e o JOCA vão “botar” umas fotos que farão recordar as vivências de outrora. Resumo dos seus actos em terras de negridão. Recordações até ao último sopro!... Puxem pela “cachimónia”.
JOCA – Bem, regressámos ao A.B.4, regressámos aos nossos afazeres repetitivos…
VITO – Sim. Mas amanhã é diferente. Temos um aniversário dentro do nosso grupo. Haverá mais calor humano! Cuca à fartazana!...
JOCA – Aniversários, convívios, distracção!... Não fosse isso, morreríamos de tédio, saudade, tristeza e apanágio!
VITO – Acalma-te meu! O tempo é passageiro. Um dia, quando as galinhas tiverem dentes…irás gostar de recordar estas passagens pelo Continente Mistério!...
JOCA – Até lá,… tenho que pôr a escrita em dia. Devo dar notícias à família, e quero saber as novidades do “puto”, também.

VITO – Notícias, nostalgia do longínquo jardim à beira mar plantado! Queres é namoriscar a tua catraia… Piu, piu, piu…
JOCA – Sempre se anima ao ler uma cartita feminina!... Depois, os velhotes, família, e amigos que nos esperam para reactivarmos a vida caseira!... Enfim, muita coisa tem mudado enquanto permanecemos por estas bandas, no cú de judas!
VITO – Eh!... Tens razão! Mas olha! Olha que a nossa camarata é o nosso albergue! Muitas lágrimas choradas no silêncio!... O que nos vale são os laços de amizade. União de todos numa missão idêntica. Aguardar, gastando esta fatia temporal da nossa juventude.
JOCA – Aguardar pacientemente! 
VITO – Matar o tempo!...
JOCA – Não tanto assim, mas quase!... Temos jogos, diversão diversa. Não andamos na guerra tal e qual o exército. Há calmaria nesta zona!...
VITO – Sim, ainda nos damos ao “luxo” de podermos ler um livro, revista ou, jornal, de forma descontraída, sem ter que ouvir os tiros da guerra.
JOCA – Temos biblioteca, temos um ringue para desportos. Pratica-se quase de tudo e temos torneios pela Província.
VITO – Somos uns campeões!... Futebol de salão, andebol de sete, e que mais!...
JOCA – Encaramos esta estadia como um emprego se tratasse, como emigrantes, deslocados. Uns, trabalham na Esquadrilha de Abastecimento. Outros, no Hangar, na reparação de aviões, e outros, na Torre de Controlo, tipo vigia. “Tá-ri-táris”, “rum-runs”, Meteos, e que mais!...
VITO – Sim, no fundo até há actividades interessantes!... A mim, calhou-me a especialidade de falar para o ar, mas gostava mais de ter sido pilotaço!...
JOCA – Voa, voa…em sonhos! Todas as especialidades são bonitas. Até a de enfermaria para podermos dar umas injecções às garinas.

VITO – Uihhh…Uih…Mete o “xico”.
JOCA – Aqui? Isso é coisa que se mete no “quimbo”. E, com cuidado!...
VITO – Logo à noite, como é que é? Vais jogar ao bingo?
JOCA – Nãoooo!... Vou escrever, descansar, e ouvir uma musiquinha do aparelho do Quim.
VITO – Também me acho um pouco amolecido. Talvez siga o teu exemplo. Amanhã terei uma jogata de futebol de salão com o pessoal…
JOCA – Mas há outro torneio em disputa?! Ouvi falar o nosso Paulus que iria estar de serviço na arbitragem.
VITO – Sim, parece-me que temos exercício aplicado nas arenas da bola.
JOCA – Esta semana será agitada. Além do aniversário do Russo, teremos um belo filme no Hangar. “A filha de Ryan”, com os célebres actores Robert Mitchum, Trevor Howard e Sarah Miles. Enfim, um drama dirigido por David Lean.
VITO – Eh pá!... Não posso perder essa película. Compra já “two tickets four nous”. 
JOCA – Os bilhetes?!... compro mais logo. E pensando melhor, antes de irmos para as palhinhas fofas…vamos visitar o “Camone” à pildra. Ele fica contente, faz-se-lhe um pouco de companhia, anima-se e fumaremos o cachimbo da paz nesta quadra festiva do Natal que se aproxima.
VITO – Vou nessa. Afinal, também é “especial”, e o que fez não foi crime nenhum!...
JOCA – Para animar, até podíamos seguidamente ver as árvores de Natal, lá no Clube. Por certo, já devem estar preparadas a rigor.
VITO – Queres é ouvir um fadito e mamar uma Cuca!...
JOCA – Terminar o dia em beleza…
VITO – Mas…sem demoras. O galo canta cedo!....
JOCA – Ok. OK. Meu!
Nota Final: Estes sete temas narrados nas “Conversas na cidade” foram o apetrecho para fazerem lembrar os tempos passados no Leste de Angola. Quarenta e poucos anos já cá cantam!...Outros tantos, não diremos! Foi feita a triangulação do A.B.4, cidade, quedas do Chikapa – de forma aligeirada. Alguns ditotes da época, alguma prosa em Quiouco, malandrice camuflada!... Na altura, houve momentos de profunda tristeza porém, hoje, recordamos com saudade essa juventude atribulada. É bom reviver esse passado! Foi bom ter reencontrado muitos de vós. Haja saúde para continuarmos alegres e participantes por mais alguns anos. Até breve. 
O amigo e  companheiro:

terça-feira, 27 de agosto de 2013

SAURIMO - "CONVERSAS NA CIDADE" VI

Nota Introdutória
Altas horas já passadas, e a tasca do comerciante continuava a servir de hospedagem aos bem-falantes aeronáuticos. Estavam pousados nas cercanias do Cine Chikapa, naquela avenida onde se situava a pastelaria Bonina, a D.G.S., a J.A.E.A….Lá bem nos limites ocidentais da cidade Saurimense.   
Mas… o “Marrador” vai colocar os personagens em plena sessão… Tomem gosto pela conversa fiada dos “gabirus”!...
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Marrador – Depois do “marufo” entornado, da “tapioca” comida, e fumada a “liambada” na tasca do “fardex”, eis que os nossos leõezinhos ressonavam sem rosnar. Tão aéreos, tão apáticos, caíram de cú nas palhinhas…mesmo à beirinha da sanzala!... E, agradecendo ao dono amigo, a bela estadia…partiram para outras explorações, aproveitando a “pikada” sanzaleira já muito conhecida pela velha tropa dos “zingarelhos”. Escutem-lhes a canção, o lenga-lenga acostumado deste duo atribulado.
VITO – A “tapioca” estava picante!...
JOCA – E a “catchipembe” matava ratazanas!...
VITO – Hummm!...Este paladar na língua!... Seria da “liamba” mal curada?! Ou, da “mutopa” entupida?!...
JOCA – Entupido ando eu. Preciso “genisticar” o órgão. Senão, ainda rebento.
VITO – Com o teu “béu-béu” estás a dar-me ideias!...E se fôssemos até à Barragem do nosso amigalhaço Capelão?
JOCA - Pelo circuito da Sanzala de S. José?
VITO – Pela rota acostumada – cubata do Soba, para sabermos novidades da aldeia, pelo bananal, para a fotografia habitual, pelo rio, para apreciar as “mwanas phwos” e para mirar as provas olímpicas de mergulho, pelo centro das palhotas, para escolher os “cafécos” e ver a malhação no “pirão”.
JOCA – Já a tinhas estudado!... Estou a ver-te nos precipícios…Primeiro, na “cubata” do “muatan” para dissipar as calorias. Segundo, foto no bananal, para dizeres onde estiveste, armado em garanhão. Lavadeiras, com os “nés-nés” ao léu…, malhação do “pilão”?! Esta, não estou a situar?!
VITO – No pirão. És gago? Trocas os “L” pelos “R”? Será ainda o efeito do “malufo”? E as provas olímpicas, esqueceste de referi-las?!...
JOCA – Pois, enganei-me, queria exprimir a passagem de modelos com os “cafécos” de tanguinha!... Ou, sem ela!...
VITO – Com estas maldades todas, mentes turvas, acabamos por nos termos que confessar na Barragem!...
JOCA – Não. Lá não há confessionário. Só carrossel, baloiço eléctrico, jangada a vapor e formiguinhas de asa nos morros de sete andares. Estância balnear!...
VITO – Sabes trepar aos morros? Nalguns será preciso um escadote. Os bichinhos são pequenos, mas fazem prédios com vários andares. Formiga de asa, morros históricos…
Marrador – Os “ papa – léguas” caminhavam para o Norte. Passaram junto ao cemitério da cidade, tiraram a foto da praxe junto à grande bananeira – limite fronteiriço da sanzala e que dava para o desfiladeiro da Barragem. Antes, beijaram a mão ao grande “soba”, na cubata mor, fotografaram os “cafécos” e “cafécas”, e refrescaram os pés junto às lavadeiras do ngiji. Deitaram as suas graças às “tusulas”, e prosseguiram atalho até à dita Barragem construída pelas mãos do grande engenhocas religioso.
JOCA – Oihhh…Já avisto os “corvos” no balancé!...
VITO – É o Capelão, e gente da nossa “guerra” juntamente com os “cambutas”. Está tudo numa animação desgarrada. A Barragem sempre produz energia! Até oiço música de grafonola!...
JOCA – São as “kai” a balirem.
VITO – Cabras?! Aqui?
JOCA – E, são brancas.
VITO – Bem, estão com o Capelão…Estão isentas de pecados!...Vamos lá a ver se existem umas “bjecas” frescas!...
JOCA – Se há “corrente”…há energia. Se há energia, há geladeira. Se há geladeira, há bebida…
VITO – Se há, há…Se há, há!... Conversa de “chacha”!...
JOCA – Gaita!... Se não houver, tens a frescura dos morros das formigas. Cura-te. Vês o carrossel a girar? Afinal, temos o inventor “pardal” em África. Canal de água, Barragem, turbinas a funcionarem, produção de energia, luzes acesas, e divertimento para a pequenada. Sim senhor!...
VITO – Tira aqui umas fotos para enviarmos à “famelga”.
JOCA – Aqui, junto ao canal. Aqui, junto aos morros ou, com o Capelão como companhia, e também no “citulu” “apalhadado”.
VITO – Vê lá se “atacas” os sapatos depressa. Parece-me que estás a catar a “bitacaia”!...
Marrador – Depois de uma alongada com o “genérico” Capelão, soldadesca espacial e, canhikas” da cor de breu, eis que os veraneantes de fim-de-semana se colocam por discernir sobre a nova etapa a palmilhar. E, porque parar é morrer, havia que dar novo rumo ao dia…“
JOCA – Tal e qual o combinado, seguiremos até à piscina. N´est-ce pas?
VITO – Ohhh…Ouiiii!... Les petites filles sont belles !...
JOCA – Hummmm….Estás a imaginar já as meninas do Liceu a nadarem na piscina?
VITO – Circundamos o Liceu, torneamos a Capela, encetamos pela Avenida das Mangueiras, Campo da Bola, e penetramos, penetramos, pelos bambus.
JOCA – Penetraremos. Penetraremos na caminhada triunfal!... Mas, no túnel, no túnel dos bambus…consta que há lobos maus?!... UUUhhh…
VITO – Só papam meninas solitárias!...
JOCA – Esses lobos, conheço-os eu!... Alguns até andam fardados!...
VITO – Juízo na tola..Vê lá!…Acabaste de receber um alqueire de catequese com o Tenente Capelão e não te emendaste?
JOCA – OK. OK… Só natação!... Nadar, nadar. “Kha”!... Já não falo mais!...
VITO – Só natação e…só te faz bem. Não andas perro da tripa? Movimenta-te. E, o lobo mau, sou eu!
MarradorBambus, só bambus!... Terminada a avenida das Mangueiras, entrava-se na arcada das canas grossas. Todos os “franganitos voadores” tiravam a sua foto nestas paragens. Aqui, e junto à estátua do grande sertanejo, defronte à Capela. Deixemo-los caminhar para a fonte refrescante…
JOCA – Há dias passei por estas bandas com duas “canhicas” minhas conhecidas do teatro.
VITO – E…e….?
JOCA – E tínhamos ido tomar banho ao rio. Fazer um picnic à nossa maneira.
VITO – E… e….?
JOCA – E, ensaiámos a peça teatral!...
VITO – Até os crocodilos do rio cantaram em coro, certamente!...
JOCA – Mudando de tema, eis aqui à nossa frente a “turbe” dos asas caídas. Uma vintena a fazer das suas palhaçadas!.... A nossa tropa anima toda a cidade.
VITO – Olha, olha-me para aquele mergulhador! Melhor do que os “matumbitos” do riacho.   Olímpico em Munique.
Tal e qual o Mark Spitz,
JOCA – O das medalhas? Não tanto, mas também dá nas vistas!...
VITO – E, os dois do escorrega? Quem são?
JOCA - Sei lá!... Estão a alisar o zinco, tirar as farpas ao estrado. Não sabem nadar, e estão no disfarce!...
VITO – Outro mergulhador, classe!... Só competências para as meninas verem!...
JOCA – Peneirice azulada!... Não, aquele não é azul . Aquele é verde.
VITO – Arre…macho!...
JOCA – Arre!...
VITO – Vamos molhar o “trancoso”? Estão ali as nossas colegas à nossa espera!...
JOCA – Já topei. Estão a fazer que estudam, mas sempre a olharem para o “despe-despe”.
VITO – Calma. Respeita a Terezinha e a Suzete. São filhas da nossa “sargenteada”!... E, não só!
JOCA – Sim, a paisagem neste filme é superior à das quedas do Chikapa. Lá, só há barbudos!...
VITO – Muitos namoros se iniciam aqui!... Água morninha, tardes alongadas, caminhada pelo arvoredo,…tudo no compasso certo!...
JOCA – Joga a experiência já vivida, no fim de comissão!... Sempre os mesmos lugares já pisados tantas vezes!...
VITO – Como será num futuro longínquo?!... Teremos recordações destas paragens?!...
Marrador – Mais uma tarde que os nossos convivas passaram na piscina, juntamente com tantos outros companheiros de guerra, e pelas cidadãs da nobre cidade de Saurimo. Sempre os mesmos circuitos, sempre a mesma conversa, sempre os mesmos acepipes!.... Ao longo de vinte e tantos meses ou, mais!.... Envelhecia-se lentamente, amadurecia-se e,….Desfrutava-se ….Quando alguém o permitia!...
E, AGORA?!...
- Onde está o nosso Cabo
- Esse bravo do passado
- Da heróica aviação?!
- Que até com fato emprestado
- Parecia Homem honrado
- Mas no bolso, sem tostão!
Língua Quioca
Canhika  – jovem
Marufo – vinho feito da fermentação da seiva da palmeira
Malufo – vinho
Tapioca – papa de farinha de mandioca granulada e doce
Catchipembe – aguardente
Liamba – tabaco
Mutopa – cachimbo de água
Muatan – senhor
Pikada – caminho africano de 3ª. categoria
Tusula – rapariga
Kai – cabra do mato
Ngiji – rio
Citulu – chapéu
Mwana phwo – lavadeira
Kha – não
Bitacaia – parasita dos pés
Cubata – palhota
Cafécos – jovens
Kambuta – pequeno
Bjeca – cerveja
Matumbo – inculto
Anotações:
Teresinha – Jovem cidadã da cidade
Suzete – Filha de Sargento da FAP
Fotografias:
Recolha no “nosso” Blogue
Versos:
Fado do Especialista – Versos enviados por Álvaro de Jesus
 Até breve o amigo

quarta-feira, 26 de junho de 2013

SAURIMO - "CONVERSAS NA CIDADE" V


Nota Introdutória
No périplo acostumado dos “azulinhos” e depois de terem colocado os “trens” no asfalto, sucediam-se sempre as mesmas passadas. Repetiam-se vezes sem número pelos vinte e tantos meses de comissão. Do Hotel Pereira Rodrigues, farejavam os diversos bares espalhados pela grandiosa “urbe”: Cubata, Estrela D´Alva, Mobil, Lux, Quioco, Clube de Saurimo, Cinema Chikapa, etc.
Faziam-se tangentes à Igreja, Palácio do Governo, Correio, campos da bola, piscina, cinema – tudo à caça das pombinhas. E, de tiradas duvidosas … rumavam para as sanzalas, projectados para missões humanitárias!...
Mas, deixem o “marrador” situar melhor a rota infinda dos más-línguas.
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Marrador – Saudosos, naquela noite quente como a febre do doente, lá estavam os nossos “magalas aéreos” a curtirem no Bar Quiouco. Porém, lembraram-se das mulatas deitadas nas cubatas sem janelas, e eis que se impulsionam para outras paragens da cidade.
VITO – Vamos à vida?
JOCA – “Let´s e kamón”.
VITO – Estás armado em “bife”?
JOCA – Bruxito. “Kultura” meu…
VITO – Vamos em frente, passamos pelo Cubata, mas sem parar. Só miramos o pessoal por via aérea e desandamos como uma “bufa”.
JOCA – Perto do Cubata vive a família magnata da cidade!...
VITO – Eu sei. O OLIV namora a filha.
JOCA – Porra!... Sabes tudo!...
VITO – Então, ele anda no Liceu com ela. Até soube que levou a balança de pesar “kamangas” para uma aula de química.
JOCA – Ehhhh….pá! Essa, é forte! Experiências!...
VITO – Aqui em frente do Hotel mora a família Soeiro. Pessoal meu conterrâneo. Já se encontram aqui desde os primórdios e têm muitas histórias interessantes.
JOCA – Sabes alguma?
VITO – Há dias atrás não viste um leão morto num jipe?
JOCA – Vi. Foram caçadores que o mataram.
VITO – Pois bem. O Soeiro contou-me que no final da década cinquenta não existia matadouro na cidade. Os animais eram colocados numa cerca de madeira e abatidos a tiro de caçadeira por um dos cidadãos. Essa acção até servia de espectáculo à população. Um dia, o caçador apontou a espingarda para a vaca a abater porém, desviou a mira sem se saber o porquê… E a multidão logo se interrogou com o gesto do mata rezes.
JOCA – Estava louco?
VITO – Louco? Apontou a arma para além da cerca e abateu um leão que se preparava para comer a vaca!...
JOCA – Leões na cidade?
VITO – Aprende… o leão da Lunda foi muito afamado e circundava a cidade há meia dúzia de anos atrás. Frequentemente eram avistados junto ao Clube de Saurimo.
JOCA – Já não vou à Barragem do capelão!...
VITO – Podes ir… os leões não andam de carrocel!... Tens “miúfa”?
JOCA – Olha, enveredemos pela Avenida do cinema. Por aqui não há leões. Só… leoas.
MARRADOR – A cidade era pequena e fazia-se bem à pata. Do Hotel Pereira Rodrigues, tomam o rumo Oeste na direcção do cinema Chikapa. Eles lá sabem o porquê!...
VITO – Queres ver o filme “A Dama das Camélias” da Sara Montiel?
JOCA – Sabes tudo. Até as fitas que correm?!...
VITO – O OLIV informou-me pois, estará lá com a filha do magnate, proprietário do cinema.
JOCA – O sortudo!... Estes ases do Leste namoram tudo o que é rico!... É a filha do Governador, é a filha do Secretário, é a filha do pedreiro…
VITO – Essa última, não.
JOCA – Foi a que te gozou?
VITO – Amélia…trá…la…rá…la…rá…
JOCA – Canta, canta, que o teu mal espanta. Depois do filme preciso de comprar umas coisas no “fardex”.
VITO – “No problem”. Temos o tempo todo por nossa conta. Vamos visitar o Jesus na estalagem do cripto, e o Sargento Baptista que vive num apartamento alugado. Depois, vamos ao “fardex”. Seremos os primeiros a desfazer o fardo para escolhermos a roupa. O filho do proprietário já combinou com o pai a fim de sermos os primeiros a escolher as peças…antes do pessoal da sanzala.
 JOCA – Tudo por tua conta. És o “BIG”!
VITO – “BIG BEN” !...
MARRADOR – Gozões… Sempre na “carneirice” do costume. Viram a “fita” como dois adolescentes, miraram o namoro do OLIV e a sua TER – lá para os confins dos balcões, e foram visitar o Jesus e o Baptista. Depois, seguiram para os lados da Junta Autónoma de Estradas, começos da estrada para o Luso.
JOCA – O Jesus estava todo entrapado!
VITO – Não soubeste que ele deu cabo da ponte do Chikapa?
JOCA – Como, se ela é de ferro?!...
VITO – Pois, por isso mesmo é que ele esteve em coma e quase partiu deste mundo para visitar o S. Pedro…
JOCA – Já estou a ver que ele ia de mota!
VITO – Parece que foi atacado. A coisa esteve mal!...
JOCA – E o Baptista? Alugou apartamento na cidade mas… ele é solteiro?!
VITO – “Atão”… Lá tem os seus esquemas e ideias. Olha, de vez em quando vou beber umas cucas com a malta conhecida e, por vezes, temos lá umas “coelhinhas”. Tudo boa gente.
JOCA – Estou a vê-las!...
VITO – Vês…vês aquela placa a sinalizar a entrada para H. de Carvalho?
JOCA – Sim, e depois?
VITO – Foi nas proximidades dela que se deu o ataque ao Sargento Carvalho aquando do negócio das “Kamangas”.
JOCA – Tive pena pela morte desse companheiro!... Tanta gente no negócio e foi aquele o mártir!...
VITO – Segundo reza a história, antes da nossa comissão houve um soldado que conseguiu “exportar” umas boas “Kamangas” para o “puto”.
JOCA – Como?
VITO – Pagas para saberes?
JOCA – Pago. Até posso ter conveniência nisso.
VITO – Colocou as “Kamangas” num tubo da pasta de barbear, e ala que se faz a mala.
JOCA – E não acusou nada?
JOCA – O invólucro tem chumbo… aprende.
JOCA – Ahhh!... Há pouco tempo soube que o PIN e mais três, foram às compras desse “material” lá para as sanzalas  do Oeste.
VITO – Fizeram negócio?
JOCA - Ora, montados em duas motas, palmilharam alguns quilómetros. A sanzala estava em festa com os “canhicas” ou, “cilongos”, na “wino” com saias de palha e a pedirem umas “falangas” à malta. Os “gomas tchinguvos” arrufavam juntamente com a melodia dos “quissanjes”. Tratava-se da “tchisela”, uma dança muito conhecida pelos autóctones. Foi difícil encontrar o negociador. Depois de algumas incertezas… compraram-se umas pedritas que ficaram na posse do SOI.
VITO – Deu alguma coisa?
JOCA – Segundo informações… bem, as pedritas tinham carvão e foram vendidas por pouca coisa. Quem lucrou foi o SOI pois, como era o mais teso ficou com a “falanga  toda para tirar a carta de condução. Os restantes três concordaram…
VITO – Muita gente anda metida nisto!...
JOCA – A “rusga” já anda a investigar professores, polícias, e que mais?!...
VITO – Cautela, meu!
JOCA - Nesta estrada para o Luso, contou o OLIV que em viagem num T-6 com o PIN meteram um “cagaço” a um negro que vinha de “kinga” na recta.
VITO – Como assim?
JOCA – Meteram o avião a pique direitinho ao “carvão” e só tiveram a ocasião de ver a “kinga” deitada no asfalto e o sujeito a fugir pela “nhara” fora!... Disse que lá de cima…foi um espectáculo!...
VITO – “Malandrecos” esses “pilotaços”. Parecem o “Major Alvega”… da banda desenhada!
JOCA – Então, e o “fardex”? Preciso de roupa e o “tangwa” já vai alto.
VITO – Vamos lá ter com o meu amigo para saber se o pai já desatou o fardo.
MARRADOR – Volteando os fardos, lá escolhiam as calças e camisas enrugadas, provenientes da África do Sul. Eram “magotes” de roupa cedida gratuitamente para os candongueiros do comércio local. Ainda se conseguiam umas peças chiques e baratas que até faziam figura. Lembravam a roupa vendida em segunda mão, nos “Américas” nas Lajes.
…,…    …,…
Aqui, na tasca do comerciante, desenhava-se o convívio para o jantar. Já se falava na “muamba” de galinha regada com “marufo” ou, “malufo”… da “tapioca” como sobremesa, e no célebre digestivo da “catchipembe”. Para finalizar… umas “liambadas” ou, umas baforadas na “mutopa”… se o nosso “Nzambi” deixar!...
Maravilha… das maravilhas, esta África enfeitiçada!...            Enfim!...


Língua Quioca
Kamanga – diamante
Canhica / cilongo – jovens
Wino – dança
Falanga – dinheiro
Goma tchinguvo – tambor
Quissange – instrumento musical de palhetas
Tchisela – dança da circuncisão
Kinga – bicicleta
Nhara – savana
Tangwa – sol
Muamba – pirão ou funge com dendén
Quiouco – O pensador
Marufo – vinho feito da fermentação da seiva da palmeira
Malufo – vinho
Tapioca – papa de farinha de mandioca granulada e doce
Catchipembe – aguardente
Liamba – tabaco
Mutopa – cachimbo de água
Nzambi – Deus
Anotações:
Oliv, Ter, Pin, Soi – Nomes fictícios – mas com factos reais
Soeiro, Baptista, Jesus, Carvalho – Factos reais
Fotografias:
Recolha no “nosso” Blogue
Versos:
Hino dos Saltimbancos – Letra de Franklin Santos (uma quadra)

 Até Breve