Passei os últimos dias na Província do Moxico, no quadro de um megaprojecto de investigação científica (a ser desenvolvido por uma equipa de 37 investigadores e cientistas sociais angolanos e estrangeiros, de que faço parte) que abrange o território compreendido pelas províncias do Kwanza Sul, Benguela, Namibe, Huíla, Huambo, Bié e Moxico (incluindo o Oeste da Zâmbia).
Mas no presente texto, à maneira de crónica, centrarei minhas atenções àquela que é a maior província de Angola.
Moxico (com 223 023 quilómetros quadrados) é tão grande em extensão, que a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo e a Inglaterra caberiam na província e ainda sobrariam 20 986 quilómetros quadrados de espaço. Atravessar em linha recta a província, do Oeste para o Leste, de carro, a 120 Km/h, sem pausa, levaria cerca 12 horas.
Mas não é apenas a sua extensão que é impressionante. Moxico também possui uma elevada quantidade de recursos naturais, tais como carvão, cobre, manganês, ferro, diamantes, ouro, volfrâmio, estanho, molibdénio, urânio, lenhite e madeira. O solo da província é rico e produz bens essenciais como massango, batata-doce, girassol, vielo, arroz, mandioca e milho.
Um outro recurso que abunda da gigantesca província é o mel. Mel de alta qualidade, aliás.
O estratégico Caminho de Ferro de Benguela passa praticamente a meio da província e faz ligação com a Zâmbia e outros países.
As duas grandes zonas industriais do Moxico localizam -se nos municípios do Moxico e do Luau.
Percorri a pé Luena de Leste a Oeste e de Norte a Sul. A última vez que eu estivera na cidade foi em Maio de 2007. Passados 12 anos, já não encontrei a cidade-fantasma onde localizar um hotel ou hospedaria era como localizar o Palácio do Conde Drácula. Em todo o caso, o número de hotéis ainda não está à altura das demandas.
Luena é uma cidade limpa, organizada e tranquila. O trânsito é ordeiro. Há sinais de obras de raiz, de reconstrução e de requalificação em diversos pontos da mesma. Mas não tem sinais de trânsito electrónicos, os quais existem no Kuito e funcionam dia e noite.
A Praça da Paz consiste num complexo ecoturístico e cultural cujo elemento principal é o Monumento da Paz, erigido para homenagear a paz, os esforços dos Angolanos em busca dela e, é claro, a assinatura dos Acordos de Luena. Moxico é a província onde foram desenvolvidas duas das grandes guerrilhas da Luta de Libertação Nacional, levadas a cabo pelo MPLA e pela UNITA. A famosa Frente Leste. Moxico é onde Jonas Savimbi começou e concluiu o seu intrigante e circular percurso guerrilheiro.
A Praça da Paz possui uma biblioteca, uma mediateca móvel e uma espécie de jardim botânico, cujas árvores possuem placas de identificação científica, informando os visitantes sobre o nome científico de cada árvore, o nome local, a sua espécie etc. Mas a sua piscina não funciona. Por outro lado, existe uma lixeira ao lado da mediateca.
Visitei Lucusse. Observei os anais do mítico Rio Lungue-Bungo. Visitei também a Comuna de Calunda (no Alto Zambeze), onde jazem os restos mortais de incontáveis vítimas dos trágicos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, detidos e presos em Luanda e levados para lá, onde passaram fome, sede, foram torturados e apoquentados por diversas doenças. A vasta maioria não regressou. Morreu lá.
Entretanto, ao viajar pelos extensos municípios da província do Moxico, constatei, mais uma vez, as grandes diferenças entre Luena, as sedes municipais e o interior (de cada município): a pobreza agreste e a miséria inenarrável de uma população que merece ter uma qualidade de vida condicente com as enormes quantidades de riqueza natural existentes na sua província.
O Bairro Zorró e o Bairro 4 de Fevereiro são exemplos de assentamentos humanos cujas condições de vida dão a entender que os moxiquenses são donos de uma terra que só tem areia e umas lagoas.
A realidade socioeconómica da população do Moxico é trágica, porquanto apenas uma pequena fracção da sua população vive de forma decente.
A pobreza agreste fica evidente nas crianças que passam o dia a vender carne, bebidas, frutas e outros produtos. Essas crianças não frequentam a escola. Na verdade, muitas simplesmente desistiram da escola por força da necessidade de ajudarem os pais a sustentar a família.
De facto, Moxico é uma terra rica com uma população pobre, vítima da má governação, do saque do erário, do cabritismo, dos nepotismos, filhotismos, sogrismos e outros males levados a cabo e consolidados durante os (in)esquecíveis quase 30 anos de João Ernesto dos Santos, ele que geriu a província como se fosse sua propriedade.
Uma análise ao OGE 2019 demonstra que Moxico continua longe de receber a fatia orçamental à altura das suas necessidades e dos seus desafios de crescimento e desenvolvimento.
Quanto ao novo governador, Gonçalves Muandumba, é evidente que a sua gestão, apesar dos esforços, é limitada por uma série de obstáculos e constrangimentos que decorrem do anacrónico regime de gestão administrativa do MPLA, que, na prática, é ineficiente e, como tal, ineficaz.
O governador considera de forma inequívoca que a sua gestão é afectada pela escassez ou insuficiência de recursos naquela que é a maior província de Angola. Obviamente, a sua gestão em si deve ser também questionada.
Quanto à juventude, preocupa -me que seja, na sua maioria, amorfa e tenha uma visão ingénua da governação. Os jovens são acríticos e possuem uma visão muito estreita do que é cidadania e qualidade de vida.
Independentemente disto, a população do Moxico tem direito ao desenvolvimento e à qualidade de vida.
24 de Setembro de 2019