quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

LESTE DE ANGOLA - 15

Memórias de um passado saudoso

1972 – 16 de Dezembro, Sábado, 24º. dia de viagem por terras de Angola

Sá da Bandeira, Lubango – de madrugada, sempre para aproveitar o máximo de tempo, encaminho-me para a extremidade Norte da cidade a fim de me colocar na posição estratégica para pedir boleia.
Benguela seria o meu destino imediato – a cidade jardim Angolana.
De princípio, sou transportado num “jeep” até à povoação de Cacula, e seguidamente na companhia de dois estudantes, também eles à boleia, continuámos num “citroen” tipo “boca de sapo”.
No percurso, avistei imensas plantações de sisal nos arredores de Quilengues, que mais pareciam piteiras. O pastoreio era rico nesta região, e os bois e cabras atravessavam frequentemente a estrada.
Após muitos quilómetros percorridos, eis que chego ao destino traçado – Benguela. Eram 14:00 h e, pé ante pé, caminhava para o centro da cidade com o carrego da minha mochila e máquinas fotográficas ao ombro.
Em todas as paragens anteriores fui sempre surpreendido por pessoas simpáticas que se ofereciam para me apoiarem e, nesta ocasião, mais uma vez fui bafejado. Sem contar, parou pertinho de mim um sujeito que me interrogou desejando saber o que me levava àquela cidade.
Sabendo do meu itinerário, aventura, descoberta por terras Angolanas, logo se predispôs em me auxiliar no que pudesse. Assim, levou-me no seu “volkswagen” preto, tipo “carocha” e colocou-me no Hotel Residencial de Benguela - alojamento acessível para a minha bolsa, à época.
Por volta da meia tarde palmilhei a cidade, telefonei à minha correspondente Nady e, sem contar, o sujeito que me tinha levado ao Hotel, esperava por mim para me servir de cicerone. Era o Sr. Alonso, numa outra viatura (peugeot 504). Desejava mostrar-me a cidade e arredores. Era contabilista e, pelo que soube mais tarde, a sogra era a que chefiava a Cruz Vermelha na cidade jardim.
Mostrou-me toda a cidade, aeroporto, arredores, e pelo que vi, sendo a cidade pequena – era muito ajardinada e bem cuidada. Outrora, tinha sido uma das principais cidades Angolanas com o porto mais desenvolvido onde se transaccionaram milhares de escravos para S. Tomé e paragens do Continente Americano.
Acabámos por jantar uma sardinhada típica num Bar conhecido, conjuntamente com outro colega seu e, mais tarde ainda, terminámos o convívio desse dia, num Bar americano chamado a “Toca”.
Em pouco tempo tinha feito amigos. Foi instantâneo!
À época, o local, a vivência cruzada destes “items”, determinavam este tipo de convivência sadia e imediata.
No dia seguinte, mais uma vez se apresentou o Sr. Alonso para me servir de guia com a finalidade de me permitir conhecer toda a beleza da cidade. Fomos à Estufa Fria e, à tardinha, na companhia da sua família, seguimos à descoberta dos encantos dos lugares de Caota, Caotinha, Baía Farta, Baía Azul, Farol do Sombreiro e, tantos outros… Pela orla marítima de Angola, esta, foi a mais espectacular que observei.
As encostas apresentavam-se semi-desérticas. Como vegetação, apenas se avistava o cacto, a espinheira, o capim levíssimo e o gado…macilento.

Mulher de Cacula
 

BENGUELA – PALÁCIO DO GOVERNO
No fundo, as baías espraiavam-se naquele mar calmo e dum azul escuro. Água tépida, fundos marinhos de rara beleza, sem multidões por perto. Aqui, a Natureza era soberana.
Tomámos um banho de longas horas num mar morno e dócil até que o pôr de sol se fixou no horizonte. Era uma praia Africana na costa Ocidental e no Atlântico Sul.
À noitinha, fomos jantar a um Bar situado na Baía Farta a cinco quilómetros da Caotinha, onde me foi apresentado mais um angolano de raiz. Trabalhador na Companhia Açucareira “Tentativa”, no Dombe. Este, Sá Guimarães, era um excelentíssimo equitador, pai de um piloto, nosso colega. Nestas paragens, o meu amigo era o amigo do outro amigo e, todos compartilhavam uma amizade intrínseca sem delongas.
De volta à cidade, continuámos em direcção ao Lobito, cidade próxima e quase geminada. Era intenção do amigo Alonso mostrar a iluminação Natalícia.
Passámos pela Restinga, Farol e, tratámos de ver a parte Alta do Lobito – Boavista.
Dia memorável de viagem e de acompanhamento – beleza paisagística e humana.
A altas horas da noite ainda tivemos apetite para saborear uma rica sopa de camarão seguida de omeleta do mesmo marisco. Tudo isto no melhor Restaurante Benguelense e ás custas do meu guia.

BENGUELA – LARGO TEÓFILO BRAGA
Continuo em Benguela pois, o mínimo de visita por cada cidade, estipulava-se em três dias.
De manhã segui para a cidade do Lobito numa outra boleia do Sr. Alonso. Mais uma vez alarguei os meus conhecimentos pela cidade percorrendo a área do Mercado, Porto, Restinga, visualizando as centenas de flamingos que pairavam junto ao Cabo, ás Salinas e Canal de escoamento duma das vias citadinas – única mancha denegrida.
De regresso a Benguela num “Renault 4 L” e na companhia dum ex-colega da FAP, dirigi-me aos CTT para enviar os cartões de Boas-Festas. Estávamos a 19/12/1972 e, mais do que noutras alturas do ano, esta, apelava à saudade.
Retorno à praia da cidade, e num daqueles momentos de contemplação pelo infinito do mar, sou despertado pelo chamamento familiar do Zé, aquele que conhecemos por ser alcunhado de “o bacalhau”.
Os diversos reencontros que tivemos nestas paragens davam sempre muito que contar… Bipartidos, tínhamos aventuras diversas com conteúdos recheados e ávidos por escutar…
Passei a tarde com a minha correspondente, professora nesta localidade. Excelentíssima moça que muito desejaria de tornar a ver – Nady Areias.
À noite, saiu paródia com o Zé e seus familiares – a família Conde.
Ao transpor “estes meus roteiros” para o Blogue, vivo uma segunda época de aventuras porém, com pormenores de segunda monta e mais tardios. O tal Sr. Alonso, pessoa simpática até dizer basta – já faleceu! E o local por nós visitado, sem a pessoa desejada à nossa espera, não tem, e não teria o mesmo sabor e alegria – mesmo que lá voltásse agora.
Se visitasse Saurimo, vendo casas – não veria a animação humana da época. Sentir-me-ia triste e deslocado… era um querer sem o desejar querer. Tive essa experiência quando retornei a Angola após comissão feita, em Maio de 1975!...

LOBITO – PORTAS DO MAR

Nesta altura e por estas paragens encontra-se o nosso amigo EMÍDIO J. S. BAPTISTA – EABT 1973/75 – no Lobito, Hotel Tropicana.
Quão bom seria se ele nos relatasse as suas vivências no Lobito. Seus afazeres, evolução da cidade, perspectivas, opinião. Seria mais um parágrafo a repor no meu longínquo roteiro – agora, para ficar actualizado.

Até Breve
O Amigo Vítor Oliveira – OCART




domingo, 17 de outubro de 2010

LESTE DE ANGOLA - 14

Memórias de um passado saudoso

1972 – 08 de Dezembro, Sexta-feira, 16º. dia de viagem por terras do Sul de Angola

Localizo-me em Porto Alexandre (Tombwa), pequena cidade costeira situada nos confins de Angola e, em pleno deserto da Namíbia.
À minha espera, na praia, estava a minha correspondente Lídia  que me reconheceu facilmente pois, naquela paragem, todos se conheciam, e quem fosse estranho – era sempre o esperado!...
Passámos o dia maravilhosamente bem porquanto, o tempo seria curto.
Travou-se uma amizade extensa e aproveitámos tudo o que se nos deparava em ser agradável.
Relembro que foi  nesta cidade que encontrei uma das raparigas mais bonitas que até ao momento se cruzou comigo. A par desta situação, equiparei outra altura idêntica na povoação de S. Sebastião, na Ilha Terceira, Açores.
Onde estarão estas cachopas, após tantos anos de separação?!…
Três dias  me mantiveram por estas paragens. Gozou-se o que se tinha para gozar e, contrariamente à minha intenção de me deslocar até à Baía dos Tigres, rumei a Sá da Bandeira passando por Moçamedes, novamente.
Deixo um amor – parto para o reencontro de outros…
MUILAS NA ALDEIA
De regresso, apanho uma boleia dum casal algarvio que por aquelas terras habitavam. Pescadores na sua essência.
Em posição de pedir boleia, pela segunda vez em Moçâmedes, choco-me com um camionista que já me tinha transportado noutras paragens angolanas. Sigo até à povoação  de Caracul e finalizo a etapa na lindíssima cidade do Lubango,  a tal que sempre me encantou!
Separado do Zé há vários dias, revejo-o nesta cidade no ponto previamente combinado - a Pensão Dória. Aqui, retomámos os nossos namoros anteriores.
A cidade apresentava-se “charmosa” com a iluminação natalícia e, nesse dia, meti uma folga à minha Nelinha, redundando até à povoação de João de Almeida (Chibia), mais a Sul, no Cunene. Fui ao encontro de outra correspondente, a Linita. Mulata escorregadia que já se tinha mudado para Luanda na procura de emprego.
Estava escrito que Sá da Bandeira seria o meu “lar” verdadeiro. Os amores desta cidade aguardavam por mim e, o Zé, preparou o campo de acção. Nelinha e Mariazinha voltaram em força ao namoro, e mais arrebatadoras do que da última vez. Não admira… éramos os pretensos pilotos da FAP. A mentira dava mais enlace…
Tinha abandonado a minha outra correspondente, a dócil Ilisa. Era menos obediente…
Esta cidade deu-nos muitos namoros e presenteou-nos com grandiosas paisagens, (Fendas da Tundavala e do Bimbe, Serras da Chela e da Leba). Terra de bom clima e acolhedora. Há muitos anos fundada  por Madeirenses, razão do acolhimento sadio.
SÁ DA BANDEIRA – PRAÇA DOS FUNDADORES
MUILA COM A ZORRA

Com todos estes dias já passados, encontramo-nos a 16 de Dezembro, Sábado, e será o 24º. dia de férias e de viagem que tratarei de narrar na próxima memória.
Trinta e oito anos passados, é tempo. Tempo de boas recordações!...
Os momentos encantadores dessa época viril estão escritos e nunca esquecerão.
Contar outros pormenores de história – seria bom para  os que me lêem porém, só em segredo. São coisas de sanzala, magia Africana…




          MULHER MUXIMBA

Até Breve
O Amigo Vítor Oliveira – OCART

terça-feira, 17 de agosto de 2010

LESTE DE ANGOLA - 13

Memórias de um passado saudoso

OS LUNDA, CHOKWE E CONGO
Devido à inexistência de registos escritos que precedem a presença europeia  -- as primeiras referências aos Lunda ou Moluas surgem em textos portugueses do séc. XVIII . Muito do que sabemos sobre a história da Lunda provém da tradição oral.
Ao mitos referem a existência de um grupo anterior aos Lunda centrais, os Bungos, os quais só utilizavam material lítico. Os Lunda seriam os seus descendentes.
Em finais do séc. XIX, este grupo ocupava uma vasta mancha no nordeste do território Angolano, compreendida sensivelmente entre os rios Cuango e Cassai.
                                                                                                          
A Norte, no então Reino do Congo, encontravam-se povos do mesmo grupo cultural – os chamados Lunda centrais.
Pensa-se que os Lunda centrais submeteram os Bungos, prosseguindo depois para o Nordeste de Angola, onde dominaram militarmente as populações locais, formando progressivamente um estado de grandes dimensões – o chamado Império Lunda centrado na autoridade do soberano máximo ou Muatiânvua, “senhor de riquezas”.
O Império Lunda era uma estrutura político-administrativa complexa e centralizada, controlada a partir de Mussumba do Muatiânvua. Esta não era fixa, e mudando albergava o soberano e a corte.
A Mussumba exercia o domínio sobre um mundo de pequenas e médias povoações, controladas por chefes locais.
Os Chokwe são um povo aparentado dos Lunda. Em finais do séc. XiX, encontravam-se estabelecidos a Sul destes entre os rios Cuanza e Cuangu, tendo durante largo tempo estado submetido ao poder do Império Lunda.
Aldeamento Lunda                                                         

Afirmaram-se progressivamente enquanto intermediários comerciais entre os Portugueses e os povos para lá da margem direita do rio Cuangu, o que foi reforçando lentamente a sua independência face ao Império Lunda.
Os Chokwe eram um povo errante. O seu movimento era progressivo e sempre em direcção a Norte e a Ocidente, “ao encontro dos Portugueses e do mar”.
Os Chokwe acabariam por superar os Mbangalas no seu papel de intermediários comerciais.
Através de uma série de investidas militares assentes na sua supremacia económica, os Chokwe acabaram por ocupar vastas áreas do território Lunda, sendo um dos factores mais decisivos para a queda do Império do Muatiânvua.
No decurso da sua viagem, Henrique de Carvalho esteve em contacto com “comitivas” de comerciantes Congo.
Em finais do séc. XIX ao Kongo ocupavam uma vasta área ao longo do curso inferior do rio Congo, entre a chamada Pool Malébo e o Oceano Atlântico. De Norte para Sul, estenderam-se entre o actual Gabão e o extremo Norte de Angola.

A ORIGEM LENDÁRIA DO POVO QUIOCO
Terra de mistério antigo, parece ter sido primitivamente habitada pelos pigmeus, hoje encontrados um pouco mais a norte, na região dos grandes lagos. Esses primitivos habitantes viriam a ser deslocados definitivamente pelas várias tribos bantu que na sua migração para sul ocupariam a totalidade do território de Angola.

Para além do rio Lalua, viviam várias comunidades de um povo vindo do nordeste - os
bungos - subordinados a chefes, que, não obstante independentes, ouviam e respeitavam o mais velho chamado lala Mácu, estando assim em embrião a formação de um novo estado, o da Lunda ou Runda.
                                                                                                             
Este velho laia foi agredido, um dia, por dois dos seus filhos Quingúri e lala - quando embriagados e dessa agressão sobreveio-lhe a morte. Antes de morrer, porém, indicou sua filha Lueji como sucessora e pediu aos outros chefes que a amparassem e aconselhassem, visto ser ela ainda nova e inexperiente, evitando que os irmãos se apoderassem do lucano (bracelete insígnia usada pelo chefe). 
Precisava Lueji de escolher um homem para pai dos seus filhos, mas não o encontrava do seu agrado, até que nas suas terras apareceu um caçador de nome llunga, filho de Mutumbu, potentado da Luba, que foi o escolhido e o progenitor de Noeji,  o primeiro Muatiânvua.
As divisões no novo estado cedo começariam com
Quinguri que não querendo sujeitar-se à autoridade da irmã e do estrangeiro a quem ela se unira, deliberou com alguns parentes mais afeiçoados abandonar as suas terras e ir organizar, longe dali, um novo e forte estado, cujas forças pudessem mais tarde vencer as do Muatiânvua.
Outro grupo descontente, chefiado por
Andumba, partiria mais tarde para com as gentes de Quinguri se juntar.
               
No seu caminho para oeste viriam a encontrar, no entanto, forças hostis que provocaram alteração na rota inicial, havendo então um retrocesso para leste, espalhando-os até ao rio Cassai e dando origem a diversas tribos que tomaram o nome dos rios nas margens dos quais se estabeleceram. A esta gente os lundas designavam por aioco, que se pode interpretar por expatriado, e tal palavra evoluiria para quioco.
       
Danças e Batuque Quioco

Sentindo Lueji o novo estado do Muatiânvua ameaçado pelos de Quinguri, que entretanto ia aumentando de poderio, mandou expedições de gente armada - as chamadas "guerras", comandadas por parentes de absoluta confiança, em diversos rumos, a fim de ampliar os seus territórios e sujeitar outras tribos à sua obediência. Por este motivo, para ocidente, foi Andumba, seu primo, a quem deu o título de Capenda Muene Ambango, que se demorou próximo ao rio Luachimo, atraindo a si outras gentes, sempre em ligação com a Mussumba. Pela sua morte, ali, sucedeu-lhe sua sobrinha Mona Mavoa, que continuou o avanço para poente, chegando ao rio Cuango. Dela descendem os Capendas: Capenda-ca-Mulemba, Capenda-Malundo e Capenda-Cassongo. todos estabelecidos ao longo deste rio... 
Aldeamento


POVO QUIOCO NA LUNDA
O povo Quioco, guerreiro e nómada por excelência desde as suas origens, fixou-se pouco antes da chegada dos europeus, em fins do séc. XIX no Nordeste de Angola, Distrito da Lunda, e também em pequenos núcleos espalhados até quase ao Sul.
Na generalidade, homens de pequena estatura, vivos e atentos ao meio que os envolvia.   
A mulher Quioca
Os mais evoluídos aderiram um tanto aos usos e costumes europeus – nomeadamente no vestir dos homens e na religião predominante; porém, mantiveram-se ligados, simultaneamente a tudo quanto respeita a sua ancestralidade: religiosidade mística, danças, música, canções, lendas, habitações e locais de práticas sociais.
Grande número de Quiocos tinha excepcionais qualidades artísticas, que iam desde a pintura das paredes argilosas das suas casas, até ao artesanato em madeira de máscaras para usos religiosos e de danças, estatuetas de figuras reais e imaginárias como também objectos (pentes e colheres ornamentadas) ou que a sua criatividade concebia.
As mulheres dedicavam-se mais aos trabalhos de campo (cultivo e recolha de lenha, mandioca e frutos), moagem de fuba (farinha para bolas de pirão e fritos espalmados), em almofarizes de fundo alto; enquanto os homens iam à pesca e à caça, além da difícil apanha de dendem (fruto das palmeiras para obtenção de óleo alimentar).
Todavia, as danças eram integradas por ambos os sexos, embora em grupos reparados. Mas já o mesmo não sucedia com a música, só executada por homens, servindo-se de tambores a xilofones de vários tamanhos, de inventiva muito peculiar.
A Companhia de Diamantes de Angola criou em 1947 um vasto museu, inteiramente dedicado ao povo Quioco, onde aí se recolheu tudo quanto dissesse respeito a esta gente.
Referindo em síntese os principais sectores da Arte Quioca, podem destacar-se as seguintes: A escultura em madeira, música e dança, paredes pintadas, cerâmica,
A vida na aldeia
instrumentos de caça e pesca e os autênticos penteados das mulheres quiocas, nos quais utilizam argilas vermelhas e gorduras vegetais.
Só o que raros europeus conseguiram observar, já que se tratava de culto secreto, foi o período de iniciação dos jovens, “mucanda”, nas acções de circuncisão, na sua forma mais rude e violenta, acompanhada dos “ensinamentos” para a vida futura daqueles rapazes. Era um longo período de Iniciação, que fortalecia a carne e o espírito e já vinha dos tempos em que esta gente nómada, acima de tudo, constituída por guerreiros viris e caçadores ardilosos.
O que se conhece a respeito dos Quiocos, quanto à sua origem, crenças e lendas, foi registado pelos europeus à volta dos anos 60, através de diálogos com os anciãos e por recolha do pouco que então restava dos seus objectos de uso primitivo e construções em decadência.

DESCOBERTA DE DIAMANTES
...Reconhecida em 1907 a existência de diamantes nos vales de alguns rios que, correndo em Angola, penetram no Congo Belga, previu-se que o rico mineral existiria, também em território angolano e por tal motivo fundou-se a Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola, à qual fora dada concessão para esse fim e que em 1913 fez avançar para a Lunda uma expedição chefiada pelo seu representante em Luanda. O então capitão de artilharia António Brandão de Melo. 
Partindo de
Camaxilo para leste, chegou ao rio Luachimo e aí estabeleceu uma estação que serviria de base aos reconhecimentos a efectuar e para se ligar aos engenheiros vindos do Congo Belga. A descoberta dos primeiros diamantes em Angola, foi registada em Novembro de 1912 quando dois geólogos da empresa Forminière encontraram 7 diamantes no ribeiro Mussalala, tendo sido no mesmo ano constituída a PEMA (Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola). As primeiras explorações tiveram lugar no rio Chicapa e seus afluentes. 

A mulher quioca moendo mandioca
“MOIO WENO”

O Amigo Vítor Oliveira - OCART

quinta-feira, 22 de julho de 2010

LESTE DE ANGOLA - 12


Memórias de um passado saudoso

HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO  Major do Estado Maior de   Infantaria – Explorador (1843 – 1909)
EXPEDIÇÃO À REGIÃO DA LUNDA, no Leste de Angola, entre 1884 e 1888


Introdução:
No longínquo ano de 1972, aquando da minha estadia em Henrique de Carvalho, a par da nossa tropa, estudava nas horas vagas no Liceu da cidade. A reitora,  recebeu nesse ano, o neto ou, bisneto do famoso explorador Henrique de Carvalho e, eu, muito atento, anotei o seu discurso direccionado ao seu ascendente e aos seus feitos...
Sempre fui  fervoroso por conhecer os grandes sertanejos africanos, tanto portugueses como estrangeiros, e entre muitos destacaram-se: Livingstone, Stanley, Braza, Cameron, Silva Porto, Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e, por fim, Henrique de Carvalho – o homem que deu nome à cidade.
Este explorador, sertanejo, Governador da Lunda, merece ser lembrado por nós, mesmo quarenta anos após termos pisado aquele chão Africano. Eis alguns apontamentos:
  
                                                           Henrique de Carvalho
Contexto histórico:
Em finais de Oitocentos, face à investida das restantes potências Europeias, Portugal vê ameaçados os seus territórios Africanos, cuja ocupação se limitava à costa e que assentava tradicionalmente na invocação dos “direitos históricos”.
Sem meios militares ou económicos que lhe permitiam ombrear com os restantes competidores, desperta o Estado português a consciência do “apertado cerco que nos estão pondo as principais nações da Europa”.
Neste apertado cerco conjugam-se as expedições Alemãs e Belgas que se dirigiram para a Lunda na segunda metade do séc. XIX.
Alarmado pelo curso dos acontecimentos, o governo Português empenha-se a partir de 1884 na construção de um caminho-de-ferro que ligasse Luanda – Ambaca, um conhecido entreposto comercial entre o interior de Angola e a costa. Procurava-se sobretudo estabelecer laços comerciais directos com o Império Lunda, fonte tradicional de matérias-primas (cera, marfim, borracha), e que até então se encontrava isolado, alvo de um bloqueio exercido por parte dos Mbangalas. Estabelecidos na região de Cassanje, estes impediam um contacto directo com os Europeus, ao assumirem-se como intermediários comerciais entre os sertanejos e o território de MUATIÂNVUA.
A Expedição:
É precisamente neste contexto que surge, em 1884, a viagem do militar Henrique de Carvalho à Lunda.
Relativamente ao Muatiânvua, pedia-se que este fosse persuadido a celebrar um tratado de amizade e comércio com Portugal.
A expedição partiu do entreposto comercial angolano de Malanje em Julho de 1884. Era chefiada por Henrique de Carvalho, militar com vasta experiência colonial, e tinha como subchefe o Major Agostinho Sisnando Marques, farmacêutico e ex-director do Observatório Metereológico de S. Tomé. Seguia também como ajudante o Tenente Manuel Sertório de Almeida Aguiar, bem como os indispensáveis carregadores recrutados localmente e alguns ambaquistas, que operavam sobretudo como guias e intérpretes.
O itinerário foi delineado em Malanje pelos irmãos Custódio e Saturnino de Sousa Machado, comerciantes sertanejos de longa data e por isso conhecedores dos caminhos interiores.

                  
           Subchefe Agostinho S. Marques                           Ajudante Manuel S. A. Aguiar

Foi sugerido um “caminho novo pelo Nordeste que, partindo de Malanje, ia atingir o rio Cuango na zona de confluência com o rio Lui, seguindo daí para o Cassai”. Depois, seguiria para Sul, em direcção à Mussumba.
A expedição avançou dividida em duas secções, dirigidas respectivamente pelo chefe e pelo subchefe. Uma das secções seguia à frente, fundava uma “estação civilizadora”, e aí permanecia algum tempo, estabelecendo relações de confiança com os locais. Estações essas em que Henrique de Carvalho terá realizado parte das suas observações e recolhas etnográficas.
Quando a primeira secção partia, chegava a segunda para dar continuidade ao trabalho.
À medida que avança em direcção à Mussumba, Henrique de Carvalho apercebe-se de   que o Império Lunda atravessa uma fase conturbada. Os entraves postos a partir de 1850 pelo Estado português ao tráfico de escravos em Angola foram um rude golpe para a economia Lunda, que dependia grandemente dessa actividade. Dividido por lutas de poder internas, o Estado Lunda via o seu território consideravelmente reduzido pela expansão para Norte dos povos Chokwe.
Passados cerca de dois anos, em Janeiro de 1887, a expedição encontra-se finalmente em Mussumba. No dia 18 desse mês “celebra-se um tratado pelo qual o Muatiânvua e a sua corte reconheciam a soberania de Portugal e se comprometiam a não aceitar nas suas terras outra bandeira”.
Este sucesso não foi contudo, duradouro. Cinco dias após a assinatura do tratado, um grande fogo destruiu grande parte da Mussumba, levando à debandada de milhares de pessoas, incluindo a Corte Lunda.
Henrique de Carvalho apercebe-se de que só lhe resta partir. Esperava-o uma longa viagem de regresso, em que a expedição tem de contornar diplomaticamente a agressividade dos Chokwe, e a cíclica falta de provisões e medicamentos. No decurso da viagem, iam chegando notícias inquietantes de Malanje: no contexto da Conferência de Berlim, fora criado o Estado Independente do Congo (1884), o que significa a perda da região Angolana do Lubuco para a BélgicaH. 
                                                          Carvalho e o Muatiânvula                                                                                                      
Se os objectivos políticos e comerciais da expedição não tinham sido alcançados, ficara assegurada uma recolha de carácter etnográfico que testemunha ainda hoje uma visão muito particular sobre a Lunda dos finais do séc. XIX.

Visita da princesa Mutumbo a H. Carvalho
Dispersos Históricos: 
- Carvalho na sua primeira estada em Angola (1878/1882) foi responsável pelas obras públicas em Luanda
Caravana mercantil no Dondo
- Em 1884 e, em Malanje, Henrique Dias de Carvalho preparava a sua expedição.
- Carvalho contratou doze carregadores em 9 de Junho de 1884 em Luanda, para a sua grande expedição à Lunda, dez dos quais o acompanharam até ao Calanhi e regressaram com ele.
- Henrique de Carvalho encontrou algumas caravanas Mbangalas nos domínios do Caungula Muteba, junto ao Lóvua, em cujas proximidades permaneceu três meses com a sua expedição, em finais do ano de 1885.

  Grupo diplomático enviado pelo Muatiânvua ao Gov. da Lunda
        
- Numa dessas caravanas participava também o chefe (Ambaza) QUINGURI, da margem direita do Cuango, aí chegado em meados de Dezembro de 1885, cuja residência se situava a um dia de viagem da estação comercial de Cassanje, junto ao Quinguixi, um afluente do Cuango. Quinguri, permaneceu com Carvalho durante vários meses. Alegava ser um descendente do primeiro Jaga (título dos governantes Mbangalas) e, portanto, de Lueji, a mãe do primeiro Mwant Yav do Estado Lunda e era um pretendente à sucessão dos Jagas no Cassanje.
- Em Outubro de 1887, Manuel Correia da Rocha, conhecido por Calucâno, chegou a Malanje com Carvalho, tendo-se instalado com a sua gente algures nas imediações.
- Henrique de Carvalho, explorador português, foi contemporâneo de outros exploradores alemães – Paul Pogge (1875/1876) e Max Buchner (1879/1880).
- António Bezerra acompanhou a grande expedição de Henrique de Carvalho à Lunda como “primeiro intérprete” nos anos de 1884/1888.
- Como António Bezerra conhecia como ninguém as regiões situadas a Leste do Cuango, pôde prestar a Carvalho informações preciosas sobre as rotas a seguir ou a evitar, as diversas populações, suas opiniões, sua história, suas relações comerciais e seus costumes.  Agostinho Alexandre Bezerra, participou na expedição de quatro anos de Henrique de Carvalho à Lunda (1884/1888) como segundo intérprete.
- Em 1896, quando Carvalho voltou à região dos Mbangalas como Governador da Província Lunda, Quinguri já tinha falecido.

   H. de Carvalho – Estátua nossa conhecida…


Vitor OliveiraOPCART

sexta-feira, 4 de junho de 2010

LESTE DE ANGOLA - 11



Memórias de um passado saudoso

1972 – 07 de Dezembro, Quinta-feira, 15º. dia de viagem. Neste momento, vou embrenhar-me pelo interior do deserto do Kalahari, terra dos Bochimanes
Eu, e o deserto de Moçamedes, Namíbia ou, Kalahari

Deixo Moçamedes e, com esta cidade, fica o Zé com as minhas correspondentes…
 O meu destino prolongava-se mais para Sul, e eu estava determinado a seguir o meu plano inicial.
De madrugada, desloco-me para a saída da cidade a fim de conseguir uma boleia através do deserto.
De Moçamedes até Porto Alexandre (Tombwa) são 97 Km e, a paisagem é quase sempre a mesma – asfalto e areias em ambas as margens… Silêncio, amarelo e azul.
São raras as viaturas que circulam nesta estrada pois, ambas as cidades que por ela ficam ligadas – são pequenas e de pouca circulação.
Para minha surpresa, sem que solicitasse boleia, um táxi parou junto de mim e, o proprietário, interrogou-me: “Quer boleia?”
Partimos, com conversa ferranha, num dia tórrido em que as miragens eram visíveis, tanto no asfalto, como nas areias do deserto. Tudo vibrava em ondas de calor…

Pela nossa conversa, o taxista ia deduzindo o meu interesse por tudo e, de condutor  -- passou a ser o meu guia turístico. Num troço de estrada, apeia-se e convida-me para tirar umas fotos à celebre planta chamada “Welwitschia Mirabilis” – única no Mundo.
Assim, anotei no meu roteiro: “planta rara e de grande comprimento, com a região central de grande dureza parecendo madeira seca e com dois tipos de flôr (masculina e feminina). Planta de uma única raiz chegando a atingir cinco metros de comprimento em profundura. As folhas têm a cor esverdeada e acastanhada nas pontas.”
                 WELWITSCHIA MIRABILIS
 

                             Masculina                                     Feminina

Num outro esteiro de estrada houve paragem obrigatória. No meio do deserto, não muito longe da estrada, visitámos um local que continha uma história peculiar. Erguia-se um monumento representativo duma personalidade com características de caçador.
Este monumento evocava a proeza que um médico teve, anos anteriores a 1972, de enfrentar um leão. Enquanto caçava por estas paragens, deparou-se com um leão faminto e que resolveu atacá-lo. Errando o tiro, viu-se surpreendido com a bocarra do animal a dirigir-se-lhe ao corpo e, num gesto com determinação de sobrevivência, lança a sua mão à garganta da fera, prendendo-lhe a língua com toda a força -  tentando causar-lhe o maior sofrimento possível. Para seu espanto e salvação, o leão abandona a vítima e, afasta-se. O médico consegue sobreviver a este ataque porém, após tratamentos sucessivos  a mão e braço, acabaram por serem  decepados.
No deserto, permanece este espólio de pedra e cimento, que para muita gente não indicia a sua origem. Parece um pontinho insólito na vastidão dum areal amarelado e  tórrido… Representa um trama que acabou menos mal…
                                                          BOCHIMANES
Continuamos a nossa viagem e, no meio das crónicas narradas pelo meu “guia”, retenho uma que ainda conservo bem viva. Conta-me que, meses atrás, tinha sido requisitado por um turista alemão, senhor para os seus cinquenta anos, para fazer uma viagem com o seu táxi, por determinados lugares deste deserto. Ficou surpreendido com esta situação porquanto, não havia turistas estrangeiros nestas paragens e, muito menos para se passearem por terras áridas, e de táxi!...
O alemão, tinha sido mobilizado na 2ª. Guerra Mundial, para estas partes do território Angolano a fim de conquistarem posição no Sudoeste Africano. Por aqui andou entre 1940 a 1945, e reteve imagens saudosas que o despoletaram para uma visita em 1971. Aproximadamente trinta anos após as suas aventuras de guerra, este ex-militar, agora livre, quer reconhecer pacificamente as terras por onde andou a combater…
Isto, faz-me lembrar o que todos nós sentimos de semelhante no presente momento. Ao estarmos em H. de Carvalho  entre 1970- 1974, termos a possibilidade de voltarmos lá agora!...
Na altura do alemão, trinta anos, era uma eternidade porém, da nossa guerra até aos dias de hoje, ultrapassa-se esse período de tempo. Estamos a amadurecer…
                                               
Chegada a Porto Alexandre
Chegámos  por fim a P. Alexandre e, para meu grado, fui visitar a minha correspondente Lídia, filha dum industrial – empresário na fabricação de farinha de peixe.
Aqui permanecerei por uns dias planeando a visita à Baía dos Tigres  -- Baía onde se apanhavam os célebres caranguejos de Moçâmedes – comidos no Leste de Angola e, regados abundantemente com as inesquecíveis “Cucas” e “Nocais” e, outras mais…




Cinema de Porto Alexandre
Até Breve
O Amigo Vítor Oliveira - OCART