segunda-feira, 18 de abril de 2011

LESTE DE ANGOLA - 19

  Memórias de um passado saudoso

DE ANGOLA A MOÇAMBIQUE – JUNHO de 1973


1973 – finais de Junho, princípios de Julho – Pequena estadia na Beira

     Instalado no Edifício Bucelar, no centro da Beira, e na ânsia de conhecer a cidade, logo percorri os locais mais bonitos da década de 70. Da moderníssima Estação de Caminho de Ferro até ao afamado “Moulin Rouge”, passando pela Praça onde se situava a Estátua de Caldas Xavier, visitei a Catedral, a Mesquita, e finalizei o percurso vagueando pelas avenidas arborizadas de frondosos cajueiros.
     De ambos os lados das ruas avistavam-se diversas casas comerciais tipicamente ornamentadas à moda oriental, (chinesas, paquistanesas, indianas) e outras, africanas com carisma muçulmano. Nomes como “Oman”, “Check” e tantos outros, surgiam a cada canto para identificarem as múltiplas nacionalidades. Mundo diferente voltado para o Oriente - novidade e encanto por conhecer!




     À noite, após um apaziguamento paisagístico, assento em contactar com uma correspondente mista de “grego-africana”, ligação ainda conseguida nas minhas vivências por Angola.
     “Mista grega” - era assim o que caracterizava a minha amiguinha Ana Paula, filha de pai grego e de mãe moçambicana.
     Feita a apresentação, seguiu-se uma manhã imediata com passeio pela praia do Macuti, a mais conhecida e chique da zona Beirense 
Estatelados ao sol, junto ao farol e a um velho navio encalhado, muita conversa rolou… De manhã, voltados para o mar e para o sol pois, vivia-se na parte oriental de África, tentávamos perscrutar a grande ilha de Madagáscar, algures escondida no horizonte da curvatura da Terra. Quatrocentos quilómetros de distância marcavam a diferença e apenas ficava a lembrança daquele mar percorrido, em tempos gloriosos, por naus portuguesas a caminho da velha Índia e sob o efeito das Monções.. Nestes mesmos mares, e com acontecimento bem mais recente, relatou-me a minha nova companheira de que uma naufraga Sul-africana que velava pela costa, esteve para ser atacada por um “contingente” de tubarões

Dada já como perdida, eis que uns amigáveis golfinhos fizeram tudo para a proteger. Afastaram os tubarões, e com trombadas meigas, arrastaram a sobrevivente para terra colocando-a a salvo e a bom porto.
  Foi notícia em Angola, antes da minha partida.
     Pela costa moçambicana corre a corrente quente de Mombaça, e em toda a linha oriental de África, migram os terríveis tubarões de variadas espécies, principalmente o tubarão tigre. Nos mesmos mares, e em zonas específicas, abundam numerosos golfinhos que lutam ferozmente contra estes tubarões a fim de protegerem os seus territórios. Daí, a razão do milagroso salvamento…
     Continuando pela praia, os nossos banhos tinham que ser de baixa altitude. Nunca se devia fiar no atrevimento de algum bicho marítimo. O mar apresentava-se barrento devido à movimentação das águas turbulentas e lodosas do rio Pungué, que se estatelavam no oceano à beira da capital de Sofala. Praias de grande extensão, e por todas elas, viam-se rodesianos a praticarem a pesca duma forma inédita. Utilizavam a cana porém, o fio, após lançado ao mar, tinha uma ligação a um papagaio de papel dirigido pelo pescador. Com o encurtamento ou afastamento do papagaio, assim se dava ou retirava o lastro à linha do anzol, orientando a melhor zona de pesca.
     De correspondente, passámos a amigos, e de amigos, continuámos a sê-lo…

     À noitinha, por combinação com velhos amigos da Força Aérea, controladores por especialidade (Vassalo e Alves Ferreira), fomos tomar umas bebidas ao conhecido Bar da “Mexicana”. Nesta ocasião, o Vassalo, ferrenho caçador, convidou-me para uma caçada no Parque da Gorongosa. Tudo isto, para o dia seguinte a às primeiras horas do dia.
     Ao raiar do sol, a nossa equipa já se encontrava em marcha em direcção ao Parque de safaris de Chitengo, na Gorongosa. Eu, partia como mirone – mero espectador.


     Já tinha falhado a um espectáculo semelhante, por ocasião da minha viagem nos confins do Cunene, a Sul de Sá da Bandeira e nos limites da fronteira com a Namíbia. Agora, tinha que assistir a uma bela caçada, quer de elefantes ou, de outro animal possante que fosse.
     De Chitengo, seguimos para a picada da Urema, ao longo do rio com o mesmo nome. Procurámos vestígios da presença de elefantes em áreas com ervas altas ou acácias amarelas. As ervas altas pisadas e os ramos e troncos de acácia amarelas partidos indicavam-nos a passagem de elefantes por esta zona.
     Pista encontrada, seguimos o trilho com a cautela devida. Na perseguição à manada, favorecia-nos a direcção contrária do vento, e assim a aproximação aos paquidermes ficava resguardada de maiores perigos.


     De repente, surge-nos a pouca distância, uma manada de possantes e belos elefantes. Mamíferos com cerca de três metros de altura e com número idêntico de toneladas de peso. A matriarca seguia à frente logo seguida de vários descendentes e as suas crias. Era dum real encanto ver esta cena ao vivo porém, para quem não estivesse habituado, sentia-se um certo temor.
     Os caçadores mais experientes colocaram-se em posição de tiro. Outros, em combinação, estavam em postos secundários e, eu, distanciado e em local seguro, assistia ao espectáculo da caça.
     Disparou-se o primeiro tiro, e outros se seguiram. Abate-se o corpulento mamífero, assiste-se a uma cena rara, mas que de belo só permaneceu a paisagem. Morria um nobre animal…
     Tinha saciado a curiosidade e fiquei entristecido com a agonia do lindo descendente de mamutes. Não voltaria à mesma observação pois, o marfim não justificava o acto praticado.


     Já noite, regressámos à Beira. Picada, sobre picada, asfalto, sons de selva tenebrosos, escuridão e luar, tempo abafado, excitação, e eis-nos na camaradagem entre conversas e copos. Nos rumores transmitidos, soubemos que nas montanhas da Gorongosa, mais a Norte, e num safari, tinha falecido o cirurgião do Generalíssimo Franco. Fora morto num ataque de surpresa pelos nossos inimigos à época. A guerrilha aproximava-se da cidade, e nós estivemos próximos de maior perigo que não fossem os elefantes e outros tipos de bestas.
     Movimentaram-se os “Fiat´s” de Tete para esta zona com bombardeamentos diversos. 
     Apaziguou-se a situação. 
     Enfim, outro dia despontava, outro rumo deveria seguir. Da Beira a Lourenço Marques era um pulo de avião. A viagem estava marcada e será discutida na crónica seguinte.

Até breve
Vitor Oliveira OPCART