terça-feira, 22 de outubro de 2019

MOXICO: UMA TERRA RICA COM UMA POPULAÇÃO POBRE


Passei os últimos dias na Província do Moxico, no quadro de um megaprojecto de investigação científica (a ser desenvolvido por uma equipa de 37 investigadores e cientistas sociais angolanos e estrangeiros, de que faço parte) que abrange o território compreendido pelas províncias do Kwanza Sul, Benguela, Namibe, Huíla, Huambo, Bié e Moxico (incluindo o Oeste da Zâmbia).

Mas no presente texto, à maneira de crónica, centrarei minhas atenções àquela que é a maior província de Angola.

Moxico (com 223 023 quilómetros quadrados) é tão grande em extensão, que a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo e a Inglaterra caberiam na província e ainda sobrariam 20 986 quilómetros quadrados de espaço. Atravessar em linha recta a província, do Oeste para o Leste, de carro, a 120 Km/h, sem pausa, levaria cerca 12 horas.

Mas não é apenas a sua extensão que é impressionante. Moxico também possui uma elevada quantidade de recursos naturais, tais como carvão, cobre, manganês, ferro, diamantes, ouro, volfrâmio, estanho, molibdénio, urânio, lenhite e madeira. O solo da província é rico e produz bens essenciais como massango, batata-doce, girassol, vielo, arroz, mandioca e milho.
Um outro recurso que abunda da gigantesca província é o mel. Mel de alta qualidade, aliás.
O estratégico Caminho de Ferro de Benguela passa praticamente a meio da província e faz ligação com a Zâmbia e outros países.
As duas grandes zonas industriais do Moxico localizam -se nos municípios do Moxico e do Luau.

Percorri a pé Luena de Leste a Oeste e de Norte a Sul. A última vez que eu estivera na cidade foi em Maio de 2007. Passados 12 anos, já não encontrei a cidade-fantasma onde localizar um hotel ou hospedaria era como localizar o Palácio do Conde Drácula. Em todo o caso, o número de hotéis ainda não está à altura das demandas.
Luena é uma cidade limpa, organizada e tranquila. O trânsito é ordeiro. Há sinais de obras de raiz, de reconstrução e de requalificação em diversos pontos da mesma. Mas não tem sinais de trânsito electrónicos, os quais existem no Kuito e funcionam dia e noite.

A Praça da Paz consiste num complexo ecoturístico e cultural cujo elemento principal é o Monumento da Paz, erigido para homenagear a paz, os esforços dos Angolanos em busca dela e, é claro, a assinatura dos Acordos de Luena. Moxico é a província onde foram desenvolvidas duas das grandes guerrilhas da Luta de Libertação Nacional, levadas a cabo pelo MPLA e pela UNITA. A famosa Frente Leste. Moxico é onde Jonas Savimbi começou e concluiu o seu intrigante e circular percurso guerrilheiro.
A Praça da Paz possui uma biblioteca, uma mediateca móvel e uma espécie de jardim botânico, cujas árvores possuem placas de identificação científica, informando os visitantes sobre o nome científico de cada árvore, o nome local, a sua espécie etc. Mas a sua piscina não funciona. Por outro lado, existe uma lixeira ao lado da mediateca.

Visitei Lucusse. Observei os anais do mítico Rio Lungue-Bungo. Visitei também a Comuna de Calunda (no Alto Zambeze), onde jazem os restos mortais de incontáveis vítimas dos trágicos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, detidos e presos em Luanda e levados para lá, onde passaram fome, sede, foram torturados e apoquentados por diversas doenças. A vasta maioria não regressou. Morreu lá.

Entretanto, ao viajar pelos extensos municípios da província do Moxico, constatei, mais uma vez, as grandes diferenças entre Luena, as sedes municipais e o interior (de cada município): a pobreza agreste e a miséria inenarrável de uma população que merece ter uma qualidade de vida condicente com as enormes quantidades de riqueza natural existentes na sua província.
O Bairro Zorró e o Bairro 4 de Fevereiro são exemplos de assentamentos humanos cujas condições de vida dão a entender que os moxiquenses são donos de uma terra que só tem areia e umas lagoas.
A realidade socioeconómica da população do Moxico é trágica, porquanto apenas uma pequena fracção da sua população vive de forma decente.
A pobreza agreste fica evidente nas crianças que passam o dia a vender carne, bebidas, frutas e outros produtos. Essas crianças não frequentam a escola. Na verdade, muitas simplesmente desistiram da escola por força da necessidade de ajudarem os pais a sustentar a família.

De facto, Moxico é uma terra rica com uma população pobre, vítima da má governação, do saque do erário, do cabritismo, dos nepotismos, filhotismos, sogrismos e outros males levados a cabo e consolidados durante os (in)esquecíveis quase 30 anos de João Ernesto dos Santos, ele que geriu a província como se fosse sua propriedade.
Uma análise ao OGE 2019 demonstra que Moxico continua longe de receber a fatia orçamental à altura das suas necessidades e dos seus desafios de crescimento e desenvolvimento.
Quanto ao novo governador, Gonçalves Muandumba, é evidente que a sua gestão, apesar dos esforços, é limitada por uma série de obstáculos e constrangimentos que decorrem do anacrónico regime de gestão administrativa do MPLA, que, na prática, é ineficiente e, como tal, ineficaz.
O governador considera de forma inequívoca que a sua gestão é afectada pela escassez ou insuficiência de recursos naquela que é a maior província de Angola. Obviamente, a sua gestão em si deve ser também questionada.
Quanto à juventude, preocupa -me que seja, na sua maioria, amorfa e tenha uma visão ingénua da governação. Os jovens são acríticos e possuem uma visão muito estreita do que é cidadania e qualidade de vida.

Independentemente disto, a população do Moxico tem direito ao desenvolvimento e à qualidade de vida.


Nuno Álvaro Dala
24 de Setembro de 2019

terça-feira, 8 de outubro de 2019

QUANDO ME TORNEI INVISÍVEL!...



Já não sei em que datas estamos!...
                                                ENVELHECER É PURA POESIA.
                                            Até o sorriso fica entre aspas!...


Nesta casa não há folhinhas, e na minha memória tudo está revolto!... 
As coisas antigas vão desaparecendo e, eu, apago-me sem que ninguém dê conta. 
Quando a família cresceu, trocaram-me de quarto. Depois, passaram-me para outro menor ainda acompanhada das minhas netas. Agora, ocupo o anexo…no quintal traseiro. 
Prometeram-me mudar o vidro partido da janela, mas esqueceram-se. E nas noites…que por ali sopra um ventinho gelado, aumentam mais as minhas dores reumáticas. 
Um dia, à tarde, dei conta que a minha voz desapareceu. Quando falo, os meus filhos e netos não me respondem. Conversam sem olhar para mim, como se eu não estivesse com eles. 
Às vezes digo algo, acreditando que apreciarão os meus conselhos, mas não me olham, nem me respondem. Então, retiro-me para o meu canto, antes de terminar a caneca de café. Faço isso para que compreendam que estou triste e para que me venham procurar e me peçam perdão…mas ninguém vem! 
No dia seguinte disse-lhes: Quando eu morrer, então sim vocês irão sentir a minha falta. E meu neto perguntou: Estás viva avó? (rindo). 
Estive três dias a chorar no meu quarto, até que numa certa manhã, um dos netos entrou para guardar umas coisas velhas. Nem bom dia me deu, e foi então que me convenci de que sou invisível. 
Uma vez os netos vieram dizer-me que iríamos passear pelo campo. Fiquei muito feliz porque, fazia tanto tempo que não saía! 
Fui a primeira a levantar-me, quis arrumar as coisas com calma, porque afinal, nós velhos, somos mais lentos. Assim, arranjei-me a tempo de não me atrasar. Em pouco tempo, todos entravam e saíam correndo pela casa, atirando bolas e brinquedos para o carro. 
Eu já estava pronta e muito alegre. Parei na porta e fiquei à espera. 
Quando se foram embora, compreendi que eu não estava convidada, talvez porque não cabia no carro. Senti que o coração encolhia e o queixo tremia, como alguém que tivesse vontade de chorar. Entendo-os…são jovens, riem, sonham, abraçam-se, beijam-se e, eu, e…eu! 
Antes beijava os meus netos, adorava tê-los nos braços como se fossem meus. E até cantava canções de embalar que tinha esquecido. Mas um dia… 
Um dia a minha neta que acabava de ter um bebé me disse que não era bom que os velhos beijassem os bebés por questões de saúde. Desde então não me aproximo mais deles, tenho tanto medo de contagiá-los! Não tenho mágoa por eles, perdoo a todos porque, que culpa têm eles que eu me tenha tornado invisível? 

Notas: Texto composto por Sílvia Castillejon Peral e alterado por mim em certas frases e imagens. 

Vítor Oliveira