terça-feira, 22 de novembro de 2011

LESTE DE ANGOLA - 24

“LESTE DE ANGOLA”
Memórias de um passado saudoso

NORTE DE ANGOLA – 1973

     Com proveniência da Beira, Moçambique, e de viagem num DC-6 da FAP durante seis horas de voo, eis-me chegado à capital angolana – Luanda.
     Anotava no meu roteiro, a data de 29 de Julho de 1973, meu 32º. dia de férias – DOMINGO.
     Para descongestionar os dias atribulados, passei por alguns momentos de repouso porém, logo pela manhã do dia seguinte, tratei de elaborar os meus planos preparando-me para uma nova fase de aventura. 
     Depois do pequeno-almoço tomado na Messe dos Sargentos, situada na Avª. dos Combatentes, dirigi-me à casa dos tios do José Soares, “o bacalhau”. Tinha tido conhecimento de que o meu grande companheiro de viagem por terras de Angola, em 1972, se encontrava a passar o fim-de-semana na cidade, e desejoso de lhe contar as minhas peripécias destas minhas últimas andanças, tive o propósito do reaver. Encontrado, travámos uma conversa contínua dando início a um passeio citadino que era marcado sempre pela mesma rotina. Fomos ao Casão Militar e demos andamento pela marginal, local aprazível junto às águas do Porto e com vistas para a magnífica Ilha de Luanda. Desde a Fortaleza de S. Miguel até à Estação de Caminho de Ferro, tudo foi palmilhado de forma descontraída e sem cansaço. Era a nossa melhor Avenida, aquela das peculiares palmeiras barradas a branco e que traçavam o limiar das águas do mar. Nela, memorizava-se o gigante “BCA”, o Palácio do Governo, lojas pitorescas, movimento de vai e vem ininterrupto – característico da maior cidade da costa ocidental de África – “a nossa Luanda.”

BANCO DE ANGOLA                                             FORTALEZA DE S. MIGUEL        
     Perpendicularmente à Marginal, tomámos o norte à majestosa Praça da Maria da Fonte, duplamente conhecida pela estátua central, pelo Mercado de Sant`Ana e pelo edifício da “CUCA”. Tínhamos como destino imediato o café “Mónaco”, local frequentado pelos nossos companheiros de armas, ponto de referência para conversas e discussões sobre o porte feminino da época.
     Após o jantar, eu, o Rui Silva (Ocart), José Soares (Eabt) e o Ribeiro Silva (Piloto), fomos tomar o café ao “Everest”, para numa fase quase simultânea seguirmos para o bairro Marçal, e cairmos em “nós” no mesmo “Mónaco” – o café das confidências…
     Tirando as curtas viagens do aeroporto para a cidade e vice-versa, as passagens pela Mutamba, os gelados do Pólo Norte, as cervejas bebidas na Portugália e no Biker, os filmes projectados nos cinemas Miramar, Trópico, Avis, Tivoli, …,… desmaiava-se na rotina de fim de semana na capital contudo, de forma diferente dos afazeres constantes no velho Saurimo.
     Ora, como nunca gostei de estar parado por muito tempo, comecei a pensar em aproveitar os dias de férias que ainda me faltavam gozar. Conhecer outras paragens e gentes angolanas, era a minha determinação, e assim parti para o Norte.
     Na madrugada de Terça-feira apanho um táxi que me levou à Estação de Caminhos de Ferro, lá para os lados do Porto, na extremidade da Marginal Norte. O relógio da Estação marcava as cinco da madrugada, mas o dia já despontava nesta Província africana. O destino pela via ferroviária levar-me-ia à cidade de Salazar, duzentos e cinquenta quilómetros para Leste. A lentidão do comboio demoraria cinco horas e com diversas paragens ao longo da linha.
     Tratava-se duma viagem já minha conhecida em que se apresentavam algumas precauções pois, na frente da locomotiva, seguia sempre um quebra minas para “alisar” o terreno. Vagarosamente, percorria-se toda a vastidão do Cuanza Norte, e de paisagem em paisagem, sentia-se um contentamento interior pelo momento gozado. Raiava o nascer do sol por entre as longas pernadas dos cactos, dando vez aos embondeiros, palmeirais e matas serradas que numa combinação consentida, deixavam-se penetrar pelo gigante de ferro.
     A meio do percurso, fazia-se uma pausada paragem para se tomar o pequeno-almoço. Tudo combinado. O revisor, enquanto fiscalizava os bilhetes, anotava a clientela. Depois, telegrafava para o restaurante muito conhecido na Estação de Canhoca a fim de reservar mesa para este tipo de “turistas”. Era um mimo! 
ESTAÇÃO DE CANHOCA         
     Salazar, seria a minha Estação final, para de seguida enfrentar a viagem com boleias diversas. Lucala, Samba CajúCamabatela, Negage e Carmona, eram as cidades que estavam inseridas no meu roteiro.
     Num camião de marca “Leiland” prossigo viagem até ao Negage, com paragens breves nas povoações de Samba Cajú e Camabatela. Pelo caminho perscrutava a paisagem montanhosa com vegetação rasteira. Sendo localidades de pequena monta, não deixavam de ter algum pormenor com interesse e que pudesse e merecesse ser fotografado. Assim, amontoei fotografias de igrejas, únicos monumentos de realçar por terem características menos comuns.

IGREJAS DE SAMBA CAJU E CAMABATELA
PORTA DE ARMAS E RUA DO NEGAGE
     Negage, não tinha qualquer atractivo de renome para o visitante. Havia sim, a Unidade militar e, esta, tratava-se simplesmente do Aeródromo Base nº. 3, tal qual o nosso de Henrique de Carvalho. Aqui, teci as minhas críticas confrontando este aeródromo com o de Luanda e o do Saurimo. Sem “cunhas”, coube-me o A.B.4, e decerto que não foi o pior!
     Em todas as Bases encontrei gente minha conhecida e, nesta, deparei-me com o velho amigo açoriano Hélder Vitorino, aquele que me ajudou no tirocínio de especialidade na Base das Lajes.
     De mota, percorremos toda a cidade e arredores. Deu-me a conhecer gente da sua Ilha Terceira – vaqueiros radicados nestas paragens há longos anos. Viam-se quintas verdejantes, gado bovino em toda a área, belas instalações para a ordenha, técnica desenvolvida com semelhança às gentes da Cela, no Huambo.
     No aquartelamento, outras caras conhecidas se apresentaram. Um tal José de Sousa, meu amigo de infância e da minha terra natal, o Clemente, Orlando, Amaral – controladores neste aeródromo, sendo que dois foram do meu curso. Parecia que o mundo era pequeno. Tinha “família” nos cantos onde a língua lusa era falada.
     Conhecidas as instalações, tão semelhantes às de Saurimo, logo se me deparou prosseguir viagem até à próxima cidade, e daí, até Carmona, capital do Uíge.
     Visitei o Museu, a piscina onde actuou a nossa fadista Amália e por fim, o mercado local com as suas bananas de fritar, gigantescas.
PISCINA E RUA DE CARMONA
MERCADO EM CARMONA
     Desiludido com esta viagem, prometi   regressar a Luanda por outra rota, por aquela em que o Tarzan viveu, onde a Rainha Ginga reinou, terras da vivência do conhecido e afamado “Zé do Telhado”, zona de reserva e parque nacional da espécie rara da Palanca Negra, Pungo Andongo, e assim tomei o caminho das grandiosas “Quedas de Água do Duque de Bragança”, e isto, já na direcção de Malange. 
     Pois bem, retorno à estrada que me levou ao Negage e rasgo caminho até Samba Cajú e, isto, motivado por duas razões: Uma, porque a rota mais curta que me levaria a Luanda, passando pela Fazenda de Bulungundo, Quissenzel, Quindembe, Bulabando e Caxito, se encontrava protegida por coluna militar sendo o perigo eminente. A outra, porque o retorno a Samba Cajú me levaria a zonas de rara beleza e duma historicidade imensa, tudo incutido nas redondezas de Malanje.
    Ora, perto de Samba Cajú (deixando Camabatela para trás), e mais propriamente numa localidade de nome Matamba, escuto um residente muito estudioso que me fala sobre lendas e factos reais da sua própria vila e arredores.
     Começa assim: “Aqui viveu uma Rainha Negra – a Rainha Ginga.  Símbolo de Angola e apreciada como o nosso Viriato. Esta Rainha nasceu em 1583, na Matamba, e faleceu em 17 de Dezembro de 1663. Também conhecida por Rainha “Ngola” pertencente aos reinos do Ndongo e Matamba. O seu título real e na língua quimbundo “Ngola”, foi o nome utilizado pelos portugueses para denominar esta região (Angola). A célebre Rainha Ginga completava-se com o nome de Ngola Ana Nzinga Mbande ou, simplesmente, Dona Ana de Sousa.
     Viveu durante o período em que o tráfico de escravos e a consolidação do poder dos portugueses na região estava a crescer rapidamente. 

     Era filha de Nzinga Mbande Ngola Kiluanje e de Gueguela Cakombe, e irmã do Ngola Ngoli Bhondi (o régulo da Matamba), que revoltado contra o domínio português em 1618, foi derrotado pelas forças sob o comando de Luís Mendes de Vasconcelos. O seu nome surge nos registos históricos três anos mais tarde, por altura de uma conferência de paz de seu irmão com o governador português de Luanda. Após anos de incursões portuguesas para capturar escravos, e entre batalhas intermitentes, Ginga negociou um tratado de termos iguais, converteu-se ao cristianismo para fortalecer o tratado e adoptou o nome português de Dona Ana de Sousa.
     Ginga formou uma aliança com o povo Jaga e conquistou o reino da Matamba, que pertence à província de Malanje, redondezas das quedas do Duque de Bragança e das afamadas Pedras Negras de Pungo Andongo.
     Após a sua morte, sete mil soldados desta Rainha foram levados para o Brasil e vendidos como escravos. Os portugueses passaram a controlar a área em 1671.
     No Brasil, o nome da Rainha Ginga é referido em vários folguedos da Festa de Reis dos negros do Rosário, onde reis do Congo católicos lutam contra reis que não aceitam o cristianismo.”
     Ouvida esta particularidade histórica, seguir-se-iam outras que passarei a narrar durante a restante parte da minha viagem.
QUEDAS DUQUE DE BRAGANÇA
     Deixando a Matamba, local onde se encontra sepultada a grande Rainha, a heroína angolana, - logo prossegui em largas passadas na direcção às quedas do Duque de Bragança. Reconheço as povoações de Quilemba, Munguengue, Lucala, e tomo o rumo de Malanje. Passo por Cacuso e viro no Lombe, para subir até Kalandula. Detenho-me neste paraíso por longos momentos e avidamente absorvo toda a paisagem circundante e recordo as lendas do meu narrador. Estou na presença das segundas maiores quedas de água de todo o continente africano – as conhecidas quedas do Duque de Bragança.  Estas quedas afloram-se no rio Lucala e têm cento e cinco metros de altura. Em grandiosidade seguem-se às quedas Vitória, no rio Zambeze, na ex-Rodésia. A sua beleza só causa deslumbramento em ser visualizada porque, ao ser descrita, perde todo o encanto que representa.
     Sei que cheguei a este local numa das alturas de seca e o curso do rio seguia baixo. No topo, as pedras gigantescas, já gastas pela erosão, sobrepunham-se às águas e, de pedra em pedra, saltitava-se todo o trajecto da largura do rio e em precipício. Lá em baixo, a estrondosa corrente despenhava-se na verdejante planície, e o rio vagaroso seguia o rumo ao Cuanza, seu pai por opção. 
QUEDAS DE KALANDULA                                                      RIO LUCALA             
     Que histórias ou, lendas me contou o meu narrador?! As histórias e lendas da Rainha Ginga e as do Tarzan, nosso herói africano. Contou ele que…
     “Tarzan teria nascido e vivido nos vastos reinos da Rainha Ginga posto que, segundo a teoria do grande conhecedor de geografia e cartografia, Edgar Rice Burroughs, determinou como terra natal de Tarzan, a região situada a mil e quinhentas milhas da cidade do Cabo ou, como Latitude Sul, a de 10 graus. O primeiro local corresponde à cidade de Benguela, e o segundo é junto ao Cabo de São Brás, a cento e trinta quilómetros a Sul de Luanda. Entre o paralelo 10 e Benguela vão trezentos quilómetros em linha recta – extensão excessiva para dois locais completamente diferentes. Mas se efectuarmos a medição do percurso marítimo para a cidade do Cabo em milhas náuticas, o novo local será relativamente perto, a cinquenta quilómetros a Sul do Cabo de São Brás, próximo da desembocadura do rio Longa, a Norte de Porto Amboim.
     Analisando mais em detalhe as duas informações dadas por Burroughs (cerca de 10 graus Sul na direcção do Cabo ou, quinze centenas de milhas para o Sul), verificamos serem duas indicações pouco precisas no que  se admite alguma margem de erro. A latitude poderá ser entre 9 a 11 graus e a distância da cidade do Cabo ficar entre 1 550 a 1 450 milhas. Acrescentando outro factor importante sobre o ambiente da história africana  de Tarzan, onde encontramos gorilas, animais da selva tropical húmida, e também animais que habitam a savana, como leões, rinocerontes e grandes elefantes – a região terá que ser um misto de selva e savana ou, de transição entre as duas. Além disso, está também descrito que a selva deveria prolongar-se até junto às areias da praia banhada pelo Oceano Atlântico. Nestas condições, pensa-se que a localização mais provável seria a Barra do Cuanza, estendendo-se pelo interior do rio e seguindo o afluente Lucala até às quedas” … onde me encontro.
     De Kalandula (D. de Bragança), subo mais um pouco a fim de visitar e conhecer a “Mesa da Rainha Ginga” – local com largas referências na história de Angola.
MESA DA RAINHA GINGA              
     Tomando mais uma vez a rota originária, desço em prol de Malanje, passo pela capital de Província, volto para Sul e percorro grande parte do Parque Nacional de Kagandala para contactar de perto com o imponente e raríssimo antílope – a Palanca Negra Gigante, símbolo marcante de Angola.
     Este trecho que se segue, quem o vai narrar, sou eu:
     Parque estabelecido em 1970 com uma área de seiscentos quilómetros quadrados. Nessa época, quem matasse um destes animais em vias de extinção, levaria como multa a importância de mil contos, e com prisão garantida.
     A Palanca Negra existe apenas em duas áreas de conservação na Província de Malanje – a reserva integral de Luando e o Parque Nacional da Kangadala, sendo a imagem da Companhia aérea angolana TAAG. O nome pelo qual é conhecida a selecção nacional de futebol “Palancas Negras” também foi inspirado neste antílope

    Este tipo de antílope foi descoberto em 1909 por Frank Varian, engenheiro belga ao serviço dos Caminhos-de-Ferro de Benguela. Em vias de extinção motivado sobretudo pela guerra civil angolana, eis que foram retomadas medidas de protecção e assim surgiu a esperança de voltar a ver manadas dos mais belos animais africanos.
     A Palanca Negra é uma rara espécie de antílope, única no mundo, que tem como berço a Província de Malanje. Este animal, segundo a mitologia africana, é símbolo de vivacidade, velocidade e beleza.
     Até ao terceiro ano de idade, machos e fêmeas são muito semelhantes, até que os machos começam a se tornarem escuros e os chifres a crescerem em maneira desproporcionada. Um macho adulto mede ente 116 a 150 centímetros e pesa mais de 240 quilogramas, enquanto que as fêmeas permanecem pequenas.
     Nos machos os chifres são curvos e em meia-lua atingindo 165 centímetros de comprimento. Tendem a viver próximos das fontes de água e nutrem-se de ervas rasteiras. É imponente e de rara beleza como se mostram nas fotografias anexas.
     Para se percorrerem os locais mais apelativos temos que vaguear constantemente e, neste profundo e vasto território, assim aconteceu por diversas ocasiões.
CAMILO E ZÉ DO TELHADO          
     Retornei ao cruzamento de Malanje e enveredei pela estrada que seguia para Henrique de Carvalho. Deparei-me com as povoações de Cambondo, Catala, Caculana e, por fim, Mucari. Junto à última localidade, procurei saber onde se situava a velha aldeia de Xissa, essa aldeia onde se encontra sepultado o conhecido “Zé do Telhado”.
     Estando em Angola, eu, não abandonaria este país sem prestar homenagem ao homem que intitulávamos de “Robin dos Bosques português”.
     Curiosamente, soube mais pormenores acerca da sua evasão e desterro para terras das Lundas, para além das suas conhecidas aventuras na Metrópole. Resumo tudo à maneira contada pelo meu narrador…
     Celebrizado pela sua audácia enquanto salteador, Zé do Telhado foi um valoroso combatente militar cujos créditos foram reconhecidos. Enquanto militar, lutando pelos liberais contra os absolutistas, subsistem diversos registos e relatos da sua valentia, tendo recebido a medalha de Torre e Espada, por actos heróicos nas hostes de Sá da Bandeira, do Duque de Setúbal e na revolta da Maria da Fonte.
     José Teixeira da Silva, o famoso Zé do Telhado, terá nascido a 22 de Junho de 1818 no lugar do Telhado (de onde origina o seu nome popular), aldeia de Castelões de Recesinhos, na comarca de Penafiel. Reza a lenda que era filho de um chefe de uma quadrilha de ladrões e de uma família cuja principal actividade era extorquir o alheio. De facto, quer o seu tio-avô, quer o seu pai haviam sido quadrilheiros, tal como o seu irmão mais velho.
     Casado com a sua prima Ana Lentina de Campos (a boda celebrou-se a 3 de Fevereiro de 1845), Zé do Telhado entrega-se à vida militar de corpo e alma, sendo condecorado pela sua bravura. Após algum tempo, regressa para o seio da família, uma transição que contou com diversos obstáculos, nomeadamente, o facto de ter dívidas pelo não pagamento de impostos, acabando por ser expulso das Forças Armadas. Sem conseguir arranjar trabalho, restou a Zé do Telhado transformar-se no mais famoso bandoleiro de Portugal.
     Com as autoridades no seu encalço por todo o País, Zé do Telhado resolveu fugir para o Brasil, escondeu-se na barca “Oliveira”, acostada no Porto. Ali estava à guarda de Ana Vitória, uma mulher que fora sua vítima mas que se tornara sua admiradora. Cabe-lhe a ela a frase lapidar que o transformou no Robin dos Bosques português ao dizer: “existem pessoas de bem que nunca deram às classes humildes um centésimo do que lhes deu Zé do Telhado.”
     Viria a ser capturado pelas autoridades e preso na Cadeia da Relação, no Porto, onde conheceu o escritor Camilo Castelo Branco.
     O seu julgamento teve início a 25 de Abril de 1859, com acusação pública em 9 de Dezembro do mesmo ano. Foi condenado na pena de trabalhos públicos por toda a vida, na costa ocidental de África e no pagamento das custas. Esta pena foi comutada pelo Tribunal da Relação do Porto em 15 anos de degredo para África, sendo publicada em Setembro de 1863.
     Já em Malanje, tornou-se negociante de borracha, cera e marfim e casou com uma local, de nome Conceição, com quem veio a ter três filhos. Era conhecido entre os angolanos como o “quimuêzo”, ou seja, o homem de barbas grandes, já que as deixara crescer desde que chegara a África.
     Zé do Telhado morreria de varíola em Angola em 1875, com 57 anos, sendo sepultado na aldeia de Xissa. Ainda hoje são feitas romagens à sua campa e surge na boca dos anciãos como figura mítica e protectora dos mais desfavorecidos.
CAMPA DO ZÉ DO TELHADO (EM XISSA-ANGOLA)          
     Entretanto, as minhas férias estavam a finalizar e, embora houvesse muito para conhecer, era altura de preparar o meu regresso a Luanda.
     De Xissa até Malanje faziam-se cinquenta quilómetros, mas de Malanje à capital, somavam-se quatrocentos e cinquenta. Pelo caminho, ainda tinha que fazer uma visita de cariz panorâmico e histórico. Tratava-se da fortaleza natural de Pungo Andongo, situada nos arredores de Malanje, já na tomada de Cacuso.    
     Pedras Negras de Pungo Andongo, local onde faleceu a Rainha Ginga. Nestas gigantescas pedras, reza a lenda que esta rainha ali deixou a sua marca bem cravada nas pedras que pisou.
     Gigantescos megalitos a cerca de 116 quilómetros de Malanje e a 90 quilómetros das quedas de Duque de Bragança. Situam-se entre os rios Lucala e o Cuanza, a Oeste de Mbaka.
     A configuração destas pedras enormes, que chegam a atingir mais de cem metros de altura, chega a lembrar paisagens extra terrestres, resultado provável de grandes convulsões da Era Glaciar.
     A cor predominante das rochas é o preto, apesar de serem constituídas de massas de gneisses, xistos vermelhos e calcários de colorações diversas. A cor preta, provém de determinadas algas filamentosas que se desenvolvem nas águas absorvidas pela rocha.
     Pungo Andongo, impõe respeito, imponência e silêncio. Fortaleza natural das hostes da Rainha Ginga, aspirando à unificação dos povos de todos os Sobados do reino Ngola, combatendo e submetendo Jagas, o Libôlo, a Matamba, o Kassange e se preparava para aumentar os seus domínios até à Kissama.

     Bem no alto de um dos maiores monólitos do Pungo Andongo, vê-se nítida, em baixo relevo na rocha, a marca de um pé enorme. Diz a lenda que é a marca da pegada da Rainha Ginga, que tinha esse lugar com ponto principal de observação à aproximação de tropas invasoras.
PUNGO ABDONGO E PEGADA DA RAINHA GINGA             
     No retorno a Luanda passei por vilas e cidades já referidas por mim em crónicas anteriores (Salazar, Dondo). Sendo a viagem longa e já conhecida, havia que arrepiar caminho e apresentar-me às autoridades militares na data precisa.
     Para pôr termo às minhas crónicas africanas, só terei que me propor a fazer uma dissertação pela capital e subúrbios, texto a apresentar na próxima ocasião.

Até breve
VÍTOR   OLIVEIRA - OCART

                                                                               

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