quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

LESTE DE ANGOLA - 28

“LESTE DE ANGOLA”
Memórias de um passado saudoso

EXPLORADORES PORTUGUESES NA LUNDA

“Em meados de Oitocentos, a zona central dos mapas do continente africano era um enorme espaço em branco. Cinquenta anos depois estava preenchida nos seus traços principais. E, breve, por força de uma súbita competição imperial, sobrepor-se-iam às linhas da geografia as fronteiras políticas das novas colónias europeias.”

     África, contínuo movimento de migração, combinação e recombinação de genes, de línguas, de princípios culturais e de organização social, de que foram resultando à luz de circunstâncias locais e regionais um-sem número de entidades políticas e fronteiras étnicas sempre efémeras e fluidas.
     Havia impérios governados por aristocratas e soberanos despóticos e que estendiam o seu domínio por enormes áreas. E era de encontro a esses grandes impérios que as expedições avançavam, porque era esse o seu objectivo comercial e diplomático ou porque muito simplesmente eles se encontravam e eram obstáculos aos seus caminhos projectados. Nas Lundas e região do Cuando Cubango e suas fronteiras, dominavam os impérios do Imbangala, Cassanje (Malanje) e a Mussumba, (Lunda Norte). A Norte da Mussumba havia o império Cazembe e, a Sul, depois do Zambeze, o império do Barotze. Nas Lundas falava-se Quioco, Bieno, entre outras línguas.

     Os exploradores que iremos acompanhar neste tema foram de encontro às capitais dos principais impérios centro-africanos do séc. XIX. 
     Em 1831, António Gamito, na tentativa de ligar o Índico ao Atlântico, alcançou o Cazembe. Por esta altura, Silva Porto, o europeu que porventura melhor conhecia os caminhos destas regiões de África, esteve várias vezes no Barotze e em várias zonas do império Lunda, cuja capital foi visitada por Rodrigues Graça em 1846, e por Henrique de Carvalho em 1886/7.
     O império Lunda tinha o seu fulcro na região do curso superior do rio Cassai, um
dos rios que a essas latitudes correm para norte em direcção ao Congo, numa zona fértil de savana húmida e florestas onde a caça é abundante.
  Rodrigues Graça vivia no Golungo Alto, (perto de Salazar/N´Dalatando), proximidades do império de Cassanje, cujo rei dificultava a passagem de desconhecidos pela sua área de comando. Este sertanejo tinha no Golungo Alto uma abastada propriedade e os seus negócios, e desejando acabar com a escravatura submetido às leis abolicionistas do marquês de Sá da Bandeira (1836) resolve organizar uma expedição ao mítico império do Muatiânvua situado para as bandas do Norte de Saurimo. O Muatiânvua era um antigo e distante fornecedor de escravos para o ocidente (Benguela, Luanda), pelo que urgia convencê-lo, bem como os demais potentados de além Cuango, a aprofundar alternativas de comércio – com destaque para o marfim e a cera, firmando uma aliança com a Rainha D. Maria II.

     Em 4 de Maio de 1846, o explorador Rodrigues Graça parte para a Lunda, mais propriamente, para o encontro com o Muatiânvua, rei da Mussumba.
     Para enriquecer politicamente a expedição auxiliou-se de D. Ana Joaquina dos Santos Silva, mulher mestiça de ascendência portuguesa que soubera vingar num mundo de homens, nomeadamente ao enviuvar de um rico comerciante português. A fama desta abastada proprietária impusera-se no sertão oitocentista e já era fornecedora do Muatiânvua através dos aliados bângalas de Cassanje.
      Não era pois à toa que a chamavam de Dembo, ou senhora dos matos.


    O destino apontado por este sertanejo seria a região das Mussumbas, entre os rios Luíza e Calânhi, embora previsse passar além do reino do Muatiânvua e dar corpo ao lendário desígnio de ligar Angola a Moçambique – ideia já tentada e preconizada por António Gamito em 1831 na sua partida por Moçambique.
    Traça o trajecto a sul do Cuango evitando os embargos do Jaga do Cassanje, sempre arvorado em senhor dessas fronteiras. 
    A 13 de Junho de 1846, Rodrigues Graça, enfrenta um régulo de Cajanga ordenando
aos seus homens, municiados com mais de quinhentos bacamartes e pistolas, que largassem as cargas e formassem três pelotões para cercar Cajanga. Assim conseguiu prosseguir caminho sem necessidade de luta porque o régulo e sua comitiva ficaram intimidados. 
     Nesta altura, Rodrigues Graça avistou as margens do Cassai na sua trajectória nascente, rumo a leste, julgando tratar-se de um afluente do Zambeze. Desconhecia ainda que este rio descia depois a norte, a cortar a Lunda, para desaguar finalmente no grande Congo
     Encontrava-se na terra dos Quiocos, povo irmão dos Lundas e empurrados para Sul, subjugados.
     Pelo começo de Setembro de 1846, a expedição de Rodrigues Graça passou o rio Luiza e cumpriu trezentas léguas de viagem desde o Bié. Nesta ocasião, avistou pela primeira vez o régulo, imperador Muatiânvua – aquele a quem chamavam de Noeji, de mediana estatura, mais delgado que robusto, lábios grossos, nariz chato, rosto comprido, cor retinta, calvo, mas usando peruca.



     E assim se apresentou Rodrigues Graça ao rei da Lunda, Muatiânvua da Mussumba: 
   “Muatiânvua, perante vós me apresento como enviado extraordinário de Portugal (Muene Puto), como embaixador, para comunicar-vos que são veementes desejos do seu governador em Angola abrir comunicações com o vosso Estado. A fama de vosso nome, bem como de vossas acções, há muito têm chegado aos ouvidos de Sua Majestade. Eu sou o órgão por cuja voz o meu governo vos deseja conhecer melhor”. 
     Em Janeiro de 1848, Rodrigues Graça regressa a Cassanje. Antes deste sertanejo, outros de Angola chegaram à região das Mussumbas para fazer negócio na corte do Muatiânvua, mas foi ele o primeiro português, aliás o primeiro europeu, que dela deixou um relato escrito.
     Silva Porto conseguiu ao longo do tempo construir no Bié, em pleno planalto central
de Angola, um pequeno empório, movimentando muitas mercadorias, muita mão-de-obra e, também, armas para defesa das suas caravanas. 
     A sua libata de Belmonte, feita de colmo e adobe, tinha o seu quê de imponente à sombra da bandeira azul e branca e adquiriu uma reconhecida importância estratégica. Foi em 1842, três anos depois de se iniciar como sertanejo, que Silva Porto fundou o seu estabelecimento. A ativíssima libata de Belmonte tornou-se famosa e viria a transformar-se numa cidade. É hoje Kuito, capital da província do Bié. Durante o regime colonial e até 1975, foi chamada de Silva Porto.
     Em 1852, quando estava na força dos 34 anos – e já com 15 anos em África, foi desafiado a empreender uma viagem. O governador de Benguela encarregou Silva Porto em 30 de Maio de 1852 fazer a viagem de Angola a Moçambique, que largou do Bié em 20 de Novembro. Em Fevereiro de 1853, chegou a Lialui que já tinha sido a capital do império do Barotze. Este potentado conglomerava politicamente mais de 25 tribos, estendendo-se por áreas que hoje correspondem a partes da Zâmbia, Zimbabué, Botswana, Namíbia, Angola e Moçambique. 
     A 13 de Julho de 1853 Silva Porto encontra Livingstone, no Barotze. 


     António da Silva Porto (1817-1890), o veterano do Bié, era o herdeiro e o representante anónimo da antiga presença comercial dos portugueses na África Austral. Tinha à sua frente David Livingstone (1813-1873), que então cumpria a primeira das três grandes expedições a África.
     Vindo da cidade do Cabo, Livingstone tinha atravessado o deserto do Kalahari e ultrapassado o lago Ngami, alcançando Quelimane e o Índico três anos depois.
     Em 1841, Joaquim Mariano e Francisco da Fonseca já negociavam em Nialele com o rei Riumbo, por ordem de Silva Porto.

Nota: Sobre o grande explorador HENRIQUE DE CARVALHO E A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO LUNDA, leiam “LESTE DE ANGOLA Nº. 12”

 Memórias de um passado saudoso

HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO  Major do Estado Maior de   Infantaria – Explorador (1843 – 1909)

EXPEDIÇÃO À REGIÃO DA LUNDA, no Leste de Angola, entre 1884 e 1888 
PESQUISAS: “EXPLORADORES PORTUGUESES E REIS AFRICANOS” de Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde, e diversos na internet

Até Breve
O Amigo 

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